A privacidade nas transações de Bitcoin é um tema que tem ganhado cada vez mais destaque. Assim, com o crescimento do interesse por formas mais seguras e privadas de realizar transações on-chain, uma nova proposta vem chamando a atenção: os pagamentos silenciosos (silent payments).

Hoje, neste artigo, vamos entender mais sobre o que são os silent payments, qual sua importância para a rede Bitcoin, como é um endereço de pagamento silencioso, e muito mais.

Bora lá!

O que são os silent payments?

Silent payments são uma maneira de receber Bitcoin sem expor informações privadas, como seu saldo ou histórico de transações, a qualquer pessoa que tenha acesso ao seu endereço público.

Essa ideia ganhou força através da proposta conhecida como BIP 352, que sugere o uso de endereços reutilizáveis no Bitcoin.

Leia também: o que é BIP (Bitcoin Improvement Proposal)?

Portanto, imagine que você quer aceitar doações em Bitcoin ou precisa receber pagamentos ao longo do ano. Assim, da forma como é hoje, você teria que gerar um novo endereço para cada transação ou arriscar sua privacidade reutilizando o mesmo endereço, o que poderia permitir que qualquer pessoa rastreasse todos os seus envios e recebimentos naquele endereço.

Entretanto, com os pagamentos silenciosos, você pode fornecer um único endereço público, que pode ser usado repetidamente sem comprometer sua privacidade.

A proposta dos silent payments foi originalmente apresentada em março de 2022. Porém, recentemente, o BIP foi integrado ao repositório oficial, marcando uma etapa importante no desenvolvimento dessa tecnologia.

A inclusão do BIP no repositório oficial indica que ele foi suficientemente debatido e está pronto para que os desenvolvedores de carteiras possam começar a implementá-lo, embora pequenos ajustes ainda possam surgir ao longo do caminho.

Por que isso é importante?

Atualmente, os endereços de Bitcoin funcionam como números de conta bancária; no entanto, como a blockchain é totalmente transparente, qualquer pessoa pode ver todas as transações associadas a um endereço, bastando pesquisar em um explorador de blocos.

Logo, se você reutiliza o mesmo endereço, todos os valores que você recebe ficam expostos.

Os pagamentos silenciosos mudam esse cenário, permitindo que você compartilhe um endereço publicamente sem que ninguém, exceto o remetente e o destinatário, saiba quais transações foram realizadas. Isso é possível graças a um truque criptográfico que permite que o destinatário receba os fundos em um endereço que parece diferente a cada transação, mas que, na verdade, só ele pode acessar.

A ideia por trás dos silent payments não é completamente nova, visto que ela se baseia em conceitos de endereços furtivos (stealth addresses), que foram propostos em 2012.

No entanto, até agora, essa ideia não havia sido implementada de maneira prática e eficiente no Bitcoin.

Falamos acima sobre os endereços furtivos, mas o que seriam eles? Bora entender!

Endereços Furtivos e BIP 47: Desafios e limitações na Busca por privacidade

A privacidade nas transações de Bitcoin tem sido um tema central desde o início da rede. Diversas propostas surgiram ao longo do tempo para melhorar a privacidade dos usuários e, entre elas, destacam-se os endereços furtivos, uma ideia inicialmente proposta por Peter Todd, e o BIP 47.

Vamos explorar as limitações e desafios dessas propostas e entender como elas tentaram, cada uma a seu modo, oferecer mais anonimato e eficiência nas transações.

Endereços Furtivos

Os endereços furtivos foram uma das primeiras tentativas de melhorar a privacidade das transações em Bitcoin.

A ideia era simples: permitir que o destinatário de um pagamento gerasse um endereço único e privado, que só ele poderia acessar, utilizando um truque criptográfico.

No entanto, havia um grande obstáculo: para que esse sistema funcionasse, era necessário inserir uma chave extra na blockchain, geralmente usando o campo OP_RETURN.

Esse método apresentava dois grandes problemas:

  1. Perda de anonimato: ao adicionar esses dados extras na blockchain, ficava evidente que o pagamento envolvia um endereço furtivo. Isso prejudicava o anonimato, pois qualquer observador poderia identificar que uma transação estava utilizando essa técnica.
  2. Ineficácia e custo: colocar mais dados na blockchain tornava as transações mais pesadas, menos eficientes e, consequentemente, mais caras. Isso ia contra a filosofia de manter as transações de Bitcoin leves e acessíveis.

Uma alternativa que surgiu na época sugeria utilizar uma das chaves já presentes na transação para evitar adicionar mais dados na blockchain.

Porém, essa abordagem não foi adiante.

A complexidade técnica envolvida e a ausência de ferramentas eficientes, como a biblioteca Lipsack P (que hoje facilita esses cálculos), fizeram com que a ideia fosse deixada de lado.

BIP 47

Com o tempo, outra proposta surgiu para tentar resolver essas questões: o BIP 47.

Assim, em vez de adicionar dados à blockchain a cada pagamento, o BIP 47 introduziu o conceito de notificação. Nesse sistema, o remetente coloca dados na blockchain uma única vez, e o destinatário pode reconhecê-los, usando esse “segredo” para facilitar futuros pagamentos.

Vantagens do BIP 47:

  • Clareza para o destinatário: o destinatário sabe exatamente quais dados na blockchain pertencem a ele, o que simplifica o processo de verificação.
  • Redução de dados adicionais: como os dados são inseridos na blockchain apenas uma vez, há uma economia de espaço e recursos em comparação com a abordagem dos endereços furtivos.

Desvantagens do BIP 47:

  1. Complexidade para o remetente: para cada pagamento, o remetente precisa primeiro enviar uma notificação on-chain, o que requer uma transação adicional. Isso pode ser inconveniente, especialmente em grande escala.
  2. Uso ineficiente da blockchain: adicionar dados à blockchain para notificar o destinatário pode parecer um uso ineficiente do espaço nos blocos, já que esses dados não estão diretamente relacionados ao pagamento em si.
  3. Vinculação dos pagamentos: no BIP 47, se você fizer vários pagamentos para a mesma pessoa, ela poderá perceber que o dinheiro vem da mesma fonte. Isso compromete o anonimato, diferente dos Pagamentos Silenciosos, onde o remetente permanece completamente anônimo.
  4. Exposição da identidade: durante a transação de notificação, o código de pagamento do remetente é revelado, o que pode expor sua identidade ao destinatário. Isso é especialmente problemático em situações onde o anonimato é essencial, como ao fazer doações para causas sensíveis.

Portanto, enquanto o BIP 47 tem suas vantagens, como a simplicidade para o destinatário, ele também traz desvantagens significativas, como a necessidade de transações extras e a falta de anonimato total.

Assim, os Silent Payments buscam resolver todos esses problemas, oferecendo uma experiência mais intuitiva e privada. Logo, a única desvantagem dos pagamentos silenciosos em relação ao BIP 47 é a necessidade de escaneamento, mas essa pode ser uma troca justa pela privacidade adicional.

Em resumo, tanto os Endereços Furtivos quanto o BIP 47 contribuíram para a evolução da privacidade no Bitcoin, mas ambos enfrentaram desafios que limitaram sua adoção pelos softwares e pelos bitcoiners.

Leia também: CoinJoin: aumentando sua privacidade no Bitcoin

Os silent payments surgem agora como uma solução promissora, buscando combinar o melhor dos dois mundos:

  • privacidade,
  • eficiência
  • e uma experiência de usuário simplificada.

Como funcionam os pagamentos silenciosos no Bitcoin?

Para o usuário, o processo é extremamente simples.

Imagine que você possui uma carteira Bitcoin conectada ao seu próprio node. Você gera um código SP (Pagamento Silencioso), que pode ser apresentado na forma de um QR code.

Assim, este código é o que você compartilha com as pessoas para receber pagamentos. Logo, qualquer pessoa que tenha suporte para enviar pagamentos silenciosos pode escanear esse QR code ou inserir o código para realizar o pagamento, e é só isso.

Para aqueles que já operam um node completo, o custo é praticamente nulo, graças a diversas otimizações que tornam o processo mais eficiente.

Por outro lado, quem recebe o pagamento tem um trabalho a mais. Portanto, o destinatário precisa verificar se cada nova transação Taproot na rede contém um pagamento destinado ao seu endereço de silent payment. Isso exige muito mais trabalho do software da carteira, o que torna o processo um pouco pesado e demorado.

Imagem figurativa que mostra o funcionamento do endereço de pagamento silencioso (silent payment)

(fonte da imagem: site Bitbox)

Como é um endereço Silent Payment?

A estrutura do endereço de Silent Payment segue o mesmo padrão dos endereços Taproot. Por exemplo, um endereço Taproot tem a parte legível “bc“, que indica que é um endereço Bitcoin, seguida de “1” e da versão, e o restante é codificado em bech32m

Nos Silent Payments, a codificação é a mesma, mas utiliza “sp1” como prefixo, sinalizando que se trata de um endereço de Pagamento Silencioso. Além disso, esse endereço inclui duas chaves públicas que não indicam diretamente o destino dos Bitcoins enviados, mas fornecem instruções para a criação de um Taproot script pubkey.

Na prática, para o usuário, isso significa que eles podem gerar esse endereço, compartilhá-lo e reutilizá-lo com segurança, sem comprometer a privacidade.

Assim, a experiência de uso é quase idêntica à de reutilizar um único endereço Bitcoin repetidamente, mas sem perder a privacidade, o que é a principal vantagem dos Silent Payments.

Quais carteiras tem suporte a esse tipo de endereço?

As carteiras que aceitam suporte à esse tipo de endereço são Cake Wallet e BitBox02.

Visto que, até o momento, o suporte a silent payments ainda está em desenvolvimento e não é amplamente adotado. A Cake Wallet foi uma das primeiras a adotar Bitcoin silent payments.

Essa carteira está disponível em versão beta pública para Android e iOS.

Veja abaixo como usar a Cake Wallet com silent payments:

Para ativar os Pagamentos Silenciosos na Cake Wallet é só tocar no botão “Silent Payments” presente no box/card (página inicial da carteira) para escanear os blocos em busca dessas transações.

É importante ressaltar que a carteira precisa escanear os blocos, pois as transações são anônimas, portanto, a carteira precisa “varrer” e procurar a transação, já que ela não é identificável.

Cake Wallet

Enfim, feito isso, a verificação de Pagamentos Silenciosos se desligará automaticamente ao alcançar o bloco mais recente.

Entretanto, caso deseje que a carteira continue a verificar automaticamente por novos blocos em busca de Pagamentos Silenciosos, é só acessar o Menu -> Silent Payment Settings e ativar a opção “Set Silent Payments Always Scanning“.

BitBox02

Além da Cake, que é uma hot wallet, o BitBox02 é uma das primeiras carteiras de hardware de Bitcoin a suportar o envio de Silent Payments, uma grande melhoria em privacidade para os usuários.

Com o Silent Payments, quem envia pode gerar endereços únicos a partir de uma chave pública fixa do destinatário. Isso significa que ativistas, ONGs e instituições de caridade podem divulgar um endereço reutilizável para receber doações, sem revelar quem são, quem doou ou o valor recebido.

Com essa integração, os usuários do BitBox02 podem apoiar causas e fazer pagamentos sem expor suas atividades financeiras a terceiros indesejados.

Super legal, né?!

O papel da rotulagem

Uma questão que surgiu com a ideia original dos pagamentos silenciosos foi a dificuldade de identificar quem estava enviando os pagamentos. Assim, a solução encontrada foi a introdução da rotulagem.

Mas, o que é a rotulagem?

A rotulagem permite que, mesmo utilizando um único endereço de pagamento silencioso, seja possível identificar os diferentes remetentes, sem comprometer a privacidade ou aumentar significativamente o custo de escaneamento.

A rotulagem é uma técnica que permite adicionar informações extras a um endereço de pagamento silencioso sem comprometer a privacidade do usuário. Isso é feito ajustando a chave de gasto de forma determinística.

Em termos simples, a chave de gasto é como uma assinatura digital que autoriza o uso dos fundos em um endereço. Ao modificá-la levemente, conseguimos identificar diferentes fontes de pagamento.

Portanto, vamos imaginar que você tem dois endereços de pagamento silencioso:

  • um para suas atividades no Twitter
  • e outro para o Nostr.

Com a rotulagem, a primeira parte dos dois endereços seria idêntica, o que indicaria que ambos pertencem a você. Porém, a segunda parte do endereço seria ligeiramente diferente, permitindo que você identifique de onde veio o pagamento.

Por exemplo, ao verificar seus fundos, você poderia perceber que determinados pagamentos vieram de usuários do Twitter, enquanto outros vieram do Nostr.

Essa flexibilidade é um meio-termo interessante entre manter a privacidade e obter informações úteis sobre as transações.

Entretanto, se você preferir total anonimato, pode simplesmente usar um endereço de silent payment padrão, sem adicionar rótulos. Isso impede que qualquer remetente revele algo sobre sua identidade. Mas, se for útil saber de onde os pagamentos estão vindo, a rotulagem oferece uma forma simples e eficaz de obter essa informação adicional.

Essa tecnologia pode ser aplicada em diversos contextos, como exchanges, plataformas de redes sociais, ou até mesmo para uso pessoal, pois permite que você mantenha várias identidades online sem que haja uma ligação clara entre elas, ou que simplesmente obtenha um pouco mais de informação sobre seus pagamentos, conforme necessário.

Exemplo de uso do silent payment nas exchanges

Uma outra situação bem legal é se as exchanges implementarem os pagamentos silenciosos.

Imagine que você está fazendo um depósito em uma exchange. Com os silent payments, em vez de reutilizar o mesmo endereço de depósito, a exchange geraria um endereço exclusivo para você, conhecido como endereço de pagamento silencioso.

Portanto, toda vez que você fizer um pagamento para aquele endereço, a exchange saberá que foi você quem pagou. Isso é possível graças a rotulagem, que como vimos anteriormente, permite à exchange identificar automaticamente seus depósitos, sem que você precise se preocupar em gerenciar múltiplos endereços.

Além disso, essa tecnologia também é muito interessante quando se trata de saques automáticos, como em serviços de compra recorrente (DCA).

Assim, se você configurar um saque automático usando um pagamento silencioso, pode usar o mesmo endereço em qualquer lugar. Isso elimina a necessidade de gerenciar múltiplos endereços públicos estendidos (xPubs) específicos para cada plataforma, simplificando bastante este processo. 

Conclusão

Os pagamentos silenciosos têm o potencial de revolucionar a forma como interagimos com o Bitcoin, oferecendo uma experiência de usuário mais simples e intuitiva, ao mesmo tempo em que aumenta sua privacidade. 

Se essa tecnologia for adotada em larga escala, podemos ver uma redução significativa na reutilização de endereços on-chain, criando um ambiente mais seguro e privado para todos. 

Essa é uma oportunidade única para alinhar os incentivos dos usuários com as melhores práticas de privacidade, e o futuro dos pagamentos em Bitcoin pode estar mais silencioso – e seguro – do que nunca.

Espero que esse artigo tenha te ajudado a entender o que são os silent payments.

Até a próxima e Opt Out!

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Escrito por
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Kaká Furlan

Fundadora da Area Bitcoin, um dos maiores projetos de educação de Bitcoin do mundo, publicitária, apaixonada por tecnologia e mão na massa full time. Já participou das principais conferências de Bitcoin como Adopting, Satsconf, Surfin Bitcoin e Bitcoin Conference.

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