O colonialismo refere-se à dominação de uma nação sobre outra, seja em termos territoriais, culturais ou econômicos. É semelhante à época em que nações europeias estabeleceram colônias em diversas partes do mundo, como no caso do Brasil, que era uma colônia de Portugal.

No entanto, você sabia que o colonialismo ainda persiste em algumas formas hoje em dia?

Neste artigo, vamos falar sobre o colonialismo monetário, um tipo de colonialismo que ainda existe hoje, sendo aplicado por meio do dinheiro, e como a França tem controlado 15 nações africanas e 180 milhões de pessoas por meio da moeda, o franco CFA.

Os detalhes são chocantes e são resultado da pesquisa e trabalho de Alex Gladstein, diretor da Human Rights Foundation e Bitcoiner, que tem auxiliado muitas pessoas ao redor do mundo a conquistarem mais autonomia por meio do Bitcoin.

Antes de entrarmos na polêmica história da relação da França com a África, é preciso entender o que é CFA.

O que é CFA?

O termo “CFA” refere-se a duas moedas distintas usadas na África, ambas atreladas ao euro e garantidas pelo tesouro francês: o Franco CFA da África Ocidental e o Franco CFA da África Central.

Portanto, CFA é a abreviação de “Communauté Financière Africaine” (Comunidade Financeira Africana) para a versão da África Ocidental e “Coopération Financière en Afrique Centrale” (Cooperação Financeira na África Central) para a versão da África Central.

  • Franco CFA da África Ocidental (XOF): Usado pelos oito países da União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA): Benim, Burkina Faso, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Mali, Níger, Senegal e Togo.
  • Franco CFA da África Central (XAF): Usado pelos seis países da Comunidade Econômica e Monetária da África Central (CEMAC): Camarões, República Centro-Africana, Chade, República do Congo, Guiné Equatorial e Gabão.
Franco CFA

O que é colonialismo monetário?

O colonialismo monetário é quando uma moeda de um país poderoso é amplamente usada em outros países, dando a esse país influência econômica e política sobre eles. Isso pode resultar em desigualdades e dependência econômica nos países que adotam essa moeda. É uma forma de dominação financeira semelhante ao colonialismo tradicional.

O colonialismo monetário teve início após a Segunda Guerra Mundial, quando a França começou a perder territórios coloniais na Indochina, no Levante e no norte do continente africano.

No entanto, os franceses se recusaram a abandonar o controle sobre o oeste e a África Central. Após 1960, o colonialismo político tornou-se inaceitável, então eles se contentaram com o colonialismo monetário.

Assim, eles adotaram o franco CFA, cuja sigla significa Comunidade Financeira Africana, e o introduziram pela primeira vez em 1945.

Em 1948, cada franco CFA equivalia a 2 francos franceses. No entanto, quando o franco CFA foi vinculado ao euro no final dos anos 90, seu valor já havia diminuído para 0,01 francos franceses, representando uma desvalorização de quase 20 mil por cento em 40 anos.

Portanto, qualquer pessoa que optasse por guardar o franco CFA em vez do franco francês ou do ouro teria testemunhado uma queda significativa em seu patrimônio.

Países sob controle Francês

Embora grande parte do império francês na África tenha caído durante o processo de descolonização, ainda existem 15 nações sob controle francês:

  • Senegal,
  • Mali,
  • Costa do Marfim,
  • Guiné-Bissau,
  • Togo, Benin,
  • Burkina Faso,
  • Níger,
  • Camarões,
  • Chade,
  • República Centro-Africana,
  • Gabão,
  • Guiné Equatorial,
  • República do Congo
  • e Comores.
Países Africanos sob controle Francês

Portanto, isso significa que Paris ainda mantém controle monetário sobre 183 milhões de pessoas em um território de 2,5 milhões de quilômetros quadrados, uma área quase do tamanho da Índia!

Os países membros da CFA não possuem controle total sobre suas próprias moedas, uma vez que são obrigados a manter pelo menos 50% de suas reservas no Tesouro Francês. Essas reservas, mantidas no exterior, estão além do alcance direto desses países e, para cumprir esse acordo, muitas vezes têm que sacrificar suas próprias economias.

Anualmente, eles remetem 45 milhões de euros para Paris apenas pela produção de cédulas e moedas, além de depositar sua confiança na França ao armazenar 90% de suas reservas de ouro lá. Em resumo, sua autonomia monetária é extremamente limitada.

Além disso, a França detém a quarta maior reserva de ouro do mundo, com 2.436 toneladas, mesmo não possuindo uma única mina de ouro em seu território.

Países que detém maior reservas de ouro

Como a França conseguiu todo esse ouro?

Uma pista disso é o Mali, que, apesar de usar o CFA e ter sido anteriormente ocupado pela França, não possui reservas de ouro em seus bancos nacionais. No entanto, o país abriga 860 minas de ouro e tem uma produção anual de 50 toneladas desse metal precioso.

Portanto, a França mantém uma condição colonial por meio de armadilhas financeiras, que incluem:

  • Reservas financeiras forçadas
  • Importações artificialmente baratas e exportações caras
  • A capacidade de comprar matérias-primas e commodities estratégicas em uma moeda de outro território, que é fácil de imprimir pelos franceses, mas não pelos países africanos.
  • Empréstimos tendenciosos que atendem às necessidades francesas.

Quando os países da CFA recebem empréstimos da França, eles têm poucas opções além de contratar empresas francesas. Isso faz com que o valor emprestado retorne à França de qualquer maneira, enquanto o país africano ainda fica sobrecarregado com dívidas e taxas de juros cobradas nas operações.

Além disso, os países membros da CFA frequentemente comercializam matérias-primas com a França. No entanto, uma parcela significativa dos lucros dessa venda é direcionada para cumprir a exigência de manter 50% em reserva, sendo que grande parte desses recursos é investida em títulos governamentais franceses ou europeus.

De acordo com Gladstein, isso constitui uma forma de repressão monetária que força os países da CFA a manter uma grande porcentagem de sua economia nas mãos dos franceses e impede que os países que usam o CFA criem crédito doméstico. Isso os obriga a contrair empréstimos a taxas elevadas e impede o desenvolvimento independente de seus sistemas monetários.

Exploração de todos os lados

Historicamente, isso tem um efeito colonial: as nações da CFA enfrentam desafios para se industrializarem e continuam sendo forçadas a fornecer matérias-primas à “capital”. Na França, as empresas industrializam essas matérias-primas, transformam-nas em produtos finais e os vendem de volta às “colônias monetárias” a preços elevados.

Em outras palavras, os franceses lucram explorando os países da CFA de todas as maneiras possíveis!

Apesar da relevância desse tema, ele raramente é abordado, seja devido à falta de interesse ou à dificuldade em compreender a realidade. Desde os anos 60, o sistema CFA passou por um processo de “africanização“. As cédulas, que antes apresentavam características francesas, agora exibem símbolos da cultura africana.

Além disso, os bancos centrais foram estabelecidos no Senegal, Camarões e Comores, em vez de estarem localizados em Paris. No entanto, essas adaptações são apenas superficiais e ocultam o fato de que as decisões-chave e o poder de veto sobre a política monetária dos países da CFA ainda estão nas mãos dos franceses.

Sabe o que é mais cínico disso tudo? O Banco Mundial e o FMI, que afirmam lutar para “acabar com a pobreza”, cooperaram e ainda cooperam para aplicar esse sistema exploratório.

O FMI, em particular, pressionou e forçou os governos a adotar e cumprir essa política francesa. As tendências indicam que, até o ano de 2100, cerca de 800 milhões de pessoas continuarão vivendo sob esse sistema de exploração monetária.

Segundo o Gladstein, isso contradiz totalmente o lema tão usado “liberté, égalité, fraternité”, uma vez que as autoridades francesas sustentam ditadores tiranos na zona CFA há seis décadas. Bongo, do Gabão, Biya, dos Camarões, e Eyadéma, do Togo, trocaram a subserviência ao CFA por 120 anos no poder.

Esse sistema permitiu à França explorar os recursos e a mão-de-obra das nações da CFA, impedindo-as de acumular capital, desenvolver economias independentes e exportar suas matérias-primas livremente.

Desenvolvimento humano

Os resultados têm sido catastróficos quando se observa o desenvolvimento humano nessas regiões. Atualmente, o PIB per capita ajustado pela inflação na Costa do Marfim é de cerca de 1.700 dólares, em comparação com os 2.500 dólares no final da década de 1970.

Nos últimos 40 anos, o poder de compra médio na região deteriorou-se em quase todos os lugares.

No Gabão, a renda média anual mais alta foi registrada em 1976, com pouco menos de 20.000 dólares. Hoje, é inferior a 10.000 dólares.

Dez dos 15 países da CFA são classificados como “países menos desenvolvidos” pela ONU, ao lado do Haiti, Iêmen e Afeganistão. Em várias classificações internacionais, o Níger, a República Centro-Africana, o Chade e a Guiné-Bissau são frequentemente considerados os países mais pobres do mundo.

A França nega estar explorando a Africa

A França nega que o sistema seja explorador, como afirmou o ministro da Economia francês Michel Sapin em abril de 2017, “a França está lá como amiga”.

No entanto, essa afirmação não corresponde à realidade. Durante o período de descolonização, o líder francês Charles de Gaulle prometeu estabilidade para as nações que aderissem ao sistema CFA, mas ameaçou risco e caos para aquelas que optassem por sair.

Guiné

Qualquer governo que se opusesse ao sistema CFA e ao colonialismo monetário enfrentava consequências. Um exemplo é a Guiné, que tentou criar sua própria moeda em 1959 e sair do sistema CFA. Em retaliação, o serviço secreto francês falsificou grandes quantidades da nova moeda guineense e a injetou no país de forma dissimulada, o que levou ao colapso da nova economia.

Como foi isso?

Em 1958, a Guiné tentou reivindicar independência monetária. Em um discurso famoso, o nacionalista Sekou Touré disse a Charles de Gaulle:

“Preferimos ter pobreza em liberdade do que opulência em escravidão”

Assim, de acordo com o The Washington Post, como resultado, os franceses deixaram a Guiné por um período de dois meses, levando tudo o que podiam com eles. Desparafusaram as lâmpadas, removeram os planos de oleodutos de esgoto em Conakry, a capital, e até mesmo queimaram remédios, em vez de deixá-los para os guineenses.

Posteriormente, como ato de desestabilização, a França lançou a Operação Persil, falsificando grandes quantidades da nova moeda guineense e despejando-a “em massa” no país, resultando no colapso da economia guineense.

Mali, Níger, Togo e Burkina

Nos anos 60, 70 e 80, líderes do Mali, Níger, Togo e Burkina Faso que buscaram independência monetária foram derrubados ou assassinados, sendo substituídos por servidores leais do sistema CFA.

Um exemplo marcante é o Níger, que fornece 20% do urânio usado na França, uma matéria-prima crítica para a geração de energia nuclear. No entanto, apenas 1 em cada 7 nigerianos tem acesso à eletricidade. A França controla 85% das empresas de urânio do Níger. Apesar de ser uma região rica em recursos naturais, incluindo petróleo, ouro e urânio, o Níger permanece um dos países mais pobres do mundo, com mais de 40% da população vivendo em extrema pobreza.

Como você explica isso?!

Coincidentemente, quando surgiram movimentos anti-CFA no Níger, também começaram ameaças de intervenção militar no país. Será isso mais uma coincidência?

O colonialismo monetário francês envolve opressão através do dinheiro, chantagem por meio de acordos comerciais que beneficiam os franceses e exploram os países da CFA, além de autoritarismo por meio do apoio a golpes em países que tentam sair do sistema CFA.

A principal diferença entre a França e outras potências imperiais é que o império monetário francês sobreviveu à descolonização.

Enquanto a maioria das colônias africanas, ao conquistar a independência, adotou moedas nacionais, a França conseguiu persuadir líderes da África Central e Ocidental a manter a moeda colonial, o franco CFA. Assim, a exploração persiste até hoje, perpetuando uma forma de imperialismo monetário que dificulta o desenvolvimento das economias africanas e as mantém submissas à França.

Mas então, qual a saída?

Segundo o próprio Gladstein, Bitcoin é uma moeda que quebra essa roda do colonialismo monetário. Não pode ser manipulado por governos de qualquer tipo, estrangeiros ou domésticos, e pode ser a moeda da verdadeira descolonização para muitos desses países, oferecendo uma saída pacífica e definitiva dos mecanismos exploratórios e autoritários.

O Bitcoin pode ser adotado pelas pessoas, e a França não tem como impedir ou evitar que nenhum país do continente africano o utilize.

Para mais de 180 milhões de pessoas que vivem em regiões do CFA, a liberdade financeira oferecida pelo Bitcoin é a única saída. O Bitcoin e sua rede de código aberto, sem fronteiras e não associada a nenhum país específico, podem ser uma maneira de finalmente libertar as colônias monetárias do CFA.

É por isso que o Bitcoin tem avançado em termos de adoção na África e pode ajudar milhões de pessoas e países a saírem do colonialismo moderno.

Até a próxima e opt out.

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Escrito por
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Carol Souza

Uma das principais educadoras de Bitcoin no Brasil e fundadora da Area Bitcoin, uma das maiores escolas de Bitcoin do mundo. Ela já participou de seminários para desenvolvedores de Bitcoin e Lightning da Chaincode (NY) e é palestrante recorrente em conferências sobre Bitcoin ao redor do mundo, bem como Adopting Bitcoin, Satsconf, Bitcoin Atlantis, Surfin Bitcoin e mais.

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