Recentemente, os Estados Unidos introduziram o FedNow, um sistema de pagamentos que lembra bastante o Pix brasileiro, e isso desencadeou uma série de teorias da conspiração.

  • Seria essa uma preparação para a introdução do dólar digital?
  • Estamos à beira da temida moeda global única?
  • Será o fim das stablecoins?

Este artigo tem como objetivo esclarecer tudo o que sabemos até o momento sobre a versão americana do PIX e as implicações desse projeto.

Você ficará surpreso ao descobrir os planos do governo e como isso poderá transformar radicalmente a maneira como as pessoas realizam transações financeiras globalmente.

A inspiração para o FedNow

O dólar age como a moeda de reserva global, sendo a mais utilizada para transações em todo o mundo.

Desde combustíveis a arroz e até mesmo Bitcoin, tudo é cotado em dólares antes de ser convertido para a moeda local.

Se o dólar se transformar em uma Moeda Digital de Banco Central (CBDC), isso poderia representar o último passo para a introdução da temida moeda única global.

Federal Reserve

Para esclarecer, o Federal Reserve é, teoricamente, o banco central mais influente do mundo, pois regula a moeda que todo o globo utiliza.

No entanto, apesar do nome, não há nada de “federal” no Federal Reserve, nem ele possui o lastro adequado para todos os dólares em circulação.

Em resumo, o Federal Reserve não é exatamente um “reservatório federal”.

Qual a realidade sobre o Fed?

O Fed opera como uma entidade híbrida público-privada, onde um grupo de banqueiros atua dentro do âmbito governamental dos EUA.

Embora declare independência política para desempenhar suas funções, essa independência é, na prática, questionável — não apenas nos EUA, mas em qualquer país.

Em outras palavras, a moeda fiduciária nunca foi autêntica; é apenas papel sustentado por políticas e dívidas. E com o projeto FedNow, essas mesmas entidades continuarão a controlar e centralizar o sistema de pagamentos.

E você sabe de onde o Fed está tirando inspiração para implementar o FedNow? Do Pix brasileiro.

O sucesso do PIX

O Pix, o sistema brasileiro de pagamentos em tempo real, é o que mais tem se expandido em escala global, sendo internacionalmente conhecido como RTP (Real-Time Payment). Este mecanismo realiza o dobro de transações em tempo real por pessoa em comparação com a Índia, um país notório por seus sistemas bancários e de pagamento avançados.

Adoção RTP no Brasil e India (Comparação)

Em menos de dois anos desde a sua implementação, o PIX já é responsável pela grande maioria das transações entre empresas (B2B).

Além disso, mais de três quartos da população adulta já utilizaram o sistema para enviar ou receber pagamentos.

Volume de pagamentos do Pix

O sistema processa cerca de 250 bilhões de dólares em pagamentos por ano entre consumidores e comerciantes, o que equivale a mais de 40% do volume de transações por cartão e 20% do total de gastos dos consumidores.

Gasto do consumidor brasileiro relacionado ao Pix, Boleto e Cartões

Com tamanho sucesso em sua implementação, os americanos estão de olho nesse crescimento, que se baseou em três pilares:

1. Agilidade e Custo-Benefício:

O sistema PIX proporcionou uma plataforma rápida e em grande parte gratuita, integrando-se completamente ao sistema bancário e às fintechs existentes.

2. Integração com Instituições Financeiras:

O Banco Central estabeleceu que qualquer entidade financeira com mais de 500 mil usuários deveria disponibilizar o PIX desde o seu lançamento.

3. Crescimento Acelerado via Fintechs:

A expansão do PIX ocorreu em paralelo com o crescimento de bancos digitais como Nubank e Inter.

Essas fintechs se esforçaram para adotar o PIX como meio de atrair clientes das instituições financeiras mais tradicionais.

Sem a necessidade de manter agências físicas, esses bancos digitais se tornaram grandes promotores de outras soluções digitais, como o PIX, e possivelmente de futuros produtos, como o DREX.

Assim, é bastante provável que o Federal Reserve observe essas características e incorpore aquelas que considerar pertinentes em seu próprio sistema.

Provavelmente, implementará funcionalidades gratuitas para os usuários e exigirá a participação de todo o ecossistema bancário e das fintechs, visando à eficiência. Isso indica um aumento na centralização e no controle dos bancos centrais sobre os indivíduos.

Diferença entre o Pix e o FedNow

A principal diferença entre o PIX e o FedNow reside no público-alvo inicial.

Enquanto o PIX foi lançado com foco direto nos consumidores brasileiros, o FedNow será inicialmente disponibilizado para os bancos que fazem parte do sistema do Federal Reserve, operando como uma infraestrutura de back-end de baixo custo.

O Federal Reserve planeja introduzir seu sistema de pagamentos de maneira oposta ao PIX: inicialmente, unificará o sistema bancário por meio do FedNow e, posteriormente, com a introdução de uma moeda digital do banco central (CBDC), disponibilizará um mecanismo acessível e de baixo custo para o público em geral, por meio do dólar digital.

Como vai funcionar o FedNow?

O que já foi divulgado é que o FedNow adotará a norma ISO 20022, um padrão global para a troca de mensagens e dados financeiros estabelecido pela Organização Internacional de Normalização (ISO).

Além disso, o FedNow atuará como uma conta central entre bancos, disponível 24/7 e capaz de processar transações em tempo real.

O sistema também incorpora mecanismos para evitar transações não autorizadas, que são parte de seu conjunto de ferramentas de segurança de dados e prevenção de fraudes.

O que é a ISO 20022?

É um padrão que funciona como uma linguagem comum internacional para a comunicação financeira, facilitando a interconexão entre sistemas financeiros de diferentes países. Pode ser considerado uma espécie de open banking em escala global.

Imagem ilustrativa sobre o serviço FedNow

Como os bancos receberam o FedNow?

Quando o conceito do FedNow foi introduzido em 2019, muitos grandes bancos se opuseram à iniciativa. No entanto, atualmente, todos esses bancos fazem parte do programa piloto, incluindo gigantes como JPMorgan Chase e Wells Fargo.

Mas, o que teria levado a essa mudança de opinião? A resposta é simples: dinheiro! Mais dinheiro está prestes a entrar nos cofres dos grandes bancos!

Notícia do The Wall Street Journal sobre o Fed

Semelhante ao que aconteceu com o PIX, o FedNow vai aumentar a quantidade de dinheiro que essas grandes instituições mantêm no banco central. Isso é diferente do sistema atual de transferências, que exige que os bancos mantenham uma conta de liquidez separada na The Clearing House para finalizar as transações.

Agora, os grandes bancos terão mais flexibilidade e um volume maior de transações diretas com o banco central, exatamente o que eles desejam!

Por outro lado, a desvantagem disso é que os bancos menores, que já estavam enfrentando problemas de liquidez devido ao aumento das taxas de juros nos EUA, agora enfrentarão um cenário ainda mais desafiador. O FedNow tem o potencial de concentrar as operações nos grandes bancos, como o JP Morgan, Citibank e Bank of America.

Além disso, para participar do FedNow, os bancos precisam integrar-se ao sistema para oferecer acesso aos seus clientes. Isso requer o desenvolvimento de tecnologia e sistemas de prevenção de fraudes, o que é uma empreitada custosa.

Os grandes bancos podem arcar com os custos para construir essa infraestrutura, mas para os bancos menores, isso pode representar um obstáculo financeiro significativo.

Como resultado, como já dissemos anteriormente, o Fed está, na prática, reforçando ainda mais sua centralização e fortalecendo os grandes bancos já estabelecidos.

FedNow e o começo do dólar digital

Assim como o PIX, o FedNow funciona como um experimento para a introdução de uma Moeda Digital do Banco Central (CBDC, na sigla em inglês).

Portanto, o futuro desse sistema parece ser a implementação do “Digital Dollar” ou dólar digital. Mas não para por aí! Há também planos para que esse dólar digital funcione como uma CBDC global, usado para liquidações finais entre bancos centrais ao redor do mundo.

Project Cedar

Em março de 2022, o presidente Joe Biden sancionou uma ordem para estabelecer a estrutura de uma Moeda Digital do Banco Central (CBDC) nos Estados Unidos.

Desde então, um projeto conhecido como Project Cedar concluiu um teste de 12 semanas, que é a primeira etapa de sua fase de implementação, focada no envio de dólares entre países em transações internacionais.

O objetivo é consolidar a posição do dólar como a moeda padrão global, agora em formato digital. Esse tipo de CBDC é frequentemente chamado de “Wholesale CBDC” ou CBDC atacadista, destinado a transações entre bancos centrais e grandes instituições financeiras responsáveis por remessas internacionais.

Project Cedar

A trajetória dessa saga financeira é notável: com a invenção do Bitcoin, surgiram várias outras moedas digitais, tentando imitá-lo ou competir com ele.

Em seguida, para conter a ascensão do Bitcoin, surgiram as moedas digitais de bancos centrais.

Agora, as CBDCs estão em uma corrida competitiva para estabelecer seus próprios sistemas como os mais utilizados.

Onze nações já iniciaram programas piloto de suas próprias CBDCs, destacadas na área vermelha da imagem. Além disso, 32 países estão em fase de desenvolvimento e outros 46 estão conduzindo pesquisas. No total, estamos falando de 130 países envolvidos em iniciativas de moeda digital, o que compreende quase 98% do PIB global!

Em outras palavras, é muito provável que a maioria das moedas fiduciárias seja convertida em CBDCs: a versão centralizada e autoritária de dinheiro, o oposto do Bitcoin.

CDBCs e Pilotos de CDBCs ao redor do mundo

O impacto secundário desse novo arranjo é que ele concede ao governo e aos bancos um nível elevado de controle, e muitas pessoas podem não estar totalmente cientes das implicações disso.

O BIS e o projeto Dunbar

O BIS, que é essencialmente o banco central dos bancos centrais, está desenvolvendo um sistema que torna todas as CBDCs interoperáveis. Em vez de uma única moeda global, podemos ter um único padrão ou sistema financeiro unificado, onde todas as CBDCs operam de acordo com o mesmo conjunto de regras.

O BIS está envolvido em diversos projetos, como o Dunbar, que visam padronizar os métodos de liquidação entre todas as CBDCs em desenvolvimento, com o objetivo de interconectá-las.

Projeto Dunbar

Isso confere ao BIS e às instituições associadas a ele um controle sem precedentes sobre o sistema financeiro global, indo além do poder político e entrando na esfera tecnológica.

Essa concentração de poder nas mãos das autoridades é preocupante, dado que nunca antes os governos tiveram um nível tão elevado de controle sobre os cidadãos.

A história está repleta de exemplos que nos mostram o risco de depositar confiança excessiva em políticos, presidentes, imperadores e reis; cedo ou tarde, o poder será usado em benefício próprio.

Há um ditado que afirma:

“Um governo grande o suficiente para dar-lhe tudo o que você deseja é um governo grande o suficiente para tomar tudo o que você tem.”

Moedas Digitais Estatais (CBDCs)

As moedas digitais estatais (CBDCs) colocam nas mãos do governo o poder de confiscar nossos recursos financeiros com o simples apertar de um botão.

Enquanto alguns podem desconsiderar essa possibilidade como teoria da conspiração, ela já aconteceu.

Nos Estados Unidos, em 1933, o governo confiscou o ouro da população com a Ordem Executiva 6102. No Brasil, o ex-presidente Collor congelou as poupanças no início dos anos 90, e muitas pessoas nunca recuperaram seus fundos.

O perigo aumenta com as CBDCs, que permitirão ações do governo com eficiência e rapidez inéditas, eliminando qualquer tempo de reação para a proteção individual.

Além disso, as CBDCs podem minar a privacidade e a liberdade financeira. Por exemplo, o yuan digital da China possui um prazo de validade, controlando o modo como as pessoas usam seu dinheiro.

Trata-se de um lobo em pele de cordeiro

Sob o véu de vantagens como segurança, inclusão financeira e comodidade, o que realmente se revela é um nível sem precedentes de controle governamental sobre a nossa vida financeira.

Tal como Benjamin Franklin avisou:

“Aqueles que abrem mão da liberdade fundamental em troca de uma segurança temporária não merecem nem uma nem outra.”

FedNow vai acabar com as stablecoins?

A possível introdução de um dólar digital oficial poderia ameaçar a existência das stablecoins privadas, como USDT, USDC e TUSD.

Um dólar digital apoiado pelo governo ofereceria uma probabilidade menor de risco de contraparte em comparação às empresas que emitem essas stablecoins.

As stablecoins tiveram um crescimento exponencial na última década, com um valor de mercado estimado em cerca de 140 bilhões de dólares. Até mesmo o PayPal entrou na tendência, anunciando sua própria stablecoin.

No entanto, como aconteceu com projetos como Diem e Libra do Facebook, o projeto do PayPal pode enfrentar obstáculos regulatórios e nunca se concretizar.

Stablecoins

Contrariando a ideia de que stablecoins e CBDCs não competem diretamente entre si (já que as primeiras não dependem de bancos, enquanto as segundas sim), o verdadeiro desafio para as stablecoins é o risco regulatório.

Autoridades dos EUA estão considerando classificar as stablecoins como títulos não regulamentados, o que pode colocar seus criadores e empresas associadas na mira da SEC, mesmo antes do lançamento do dólar digital.

Fica claro que os reguladores e governos não favorecem a concorrência quando se trata de emissão de moeda. Portanto, a introdução das CBDCs pode resultar em um escrutínio regulatório mais rigoroso sobre as stablecoins privadas.

Isso mostra que as autoridades reguladoras e os governos costumam olhar com atenção quando se trata de competição na emissão de moedas. Portanto, a introdução das CBDCs pode resultar em um aumento da supervisão regulatória sobre as stablecoins privadas.

Para resumir este complexo cenário

O FedNow é essencialmente a versão americana do PIX, o sistema brasileiro de pagamentos em tempo real. Ele poderia servir como base para a futura infraestrutura global das Moedas Digitais do Banco Central (CBDCs), pois atualmente 93% dos países estão explorando essa tecnologia.

Não estamos falando da criação de uma única moeda global, mas sim de um sistema unificado que poderia substituir o atual sistema SWIFT de transferência internacional.

No entanto, esse novo sistema não é propício para a concorrência, o que torna as stablecoins alvos em potencial para regulamentação ou até mesmo para sua eliminação. Isso enfatiza a importância de sistemas de código aberto e resistentes à censura, como o Bitcoin, que não podem ser afetados por ações de governos isolados ou coalizões..

Dada a tendência crescente de governos usando moedas como ferramentas de vigilância e o potencial abuso de poder, alternativas que preservem a autonomia individual serão cada vez mais cruciais.

Embora as CBDCs enfrentem resistência em muitos países desenvolvidos, infelizmente, elas têm atraído interesse em nações com governos mais controladores.

Ainda é possível optar por não participar desse sistema financeiro altamente monitorado, que muitas vezes se disfarça de inclusão. Escolher o Bitcoin é uma maneira de “optar por sair” do sistema fiduciário tradicional, e nós oferecemos orientação e treinamento no Bitcoin Starter, que possui mais de 100 aulas sobre o Bitcoin.

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Escrito por
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Kaká Furlan

Fundadora da Area Bitcoin, um dos maiores projetos de educação de Bitcoin do mundo, publicitária, apaixonada por tecnologia e mão na massa full time. Já participou das principais conferências de Bitcoin como Adopting, Satsconf, Surfin Bitcoin e Bitcoin Conference.

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