Como já falamos por aqui, uma BIP é uma proposta de melhoria para o Bitcoin. Portanto, qualquer desenvolvedor pode sugerir uma proposta de melhoria, a qual será submetida à discussão dos usuários e, posteriormente, votada para implementação.

Sendo assim, em 2023, uma proposta antiga veio à tona novamente na comunidade bitcoiner e reacendeu uma série de discussões sobre sua importância para a rede, que foi a BIP-300

Basicamente, a BIP-300 é uma proposta que sugere a implementação de drivechains no Bitcoin.

Bora entender mais sobre ela e sobre o que são as drivechains?

Que história é essa de drivechains?

Drivechains são uma espécie de sidechains do Bitcoin, que são cadeias (redes) construídas paralelamente ao Bitcoin e que usam o BTC como moeda principal. Nessas cadeiras laterais, a blockchain do bitcoin é  – geralmente – utilizada como camada de liquidação final. 

Assim, o Bitcoin pode ter vários tipos de camada 2:

  • sidechains,
  • drivechains
  • e também redes off-chain, que não usam timechain no seu processamento.

Como exemplo de sidechain no Bitcoin, temos a rede Liquid, criada pela Blockstream.

Já como exemplo de rede off-chain, temos a Lightning Network, que se conecta à rede principal do Bitcoin através de canais de pagamento P2P.

Ainda não existem Drichains no Bitcoin, e esse é o intuito da BIP-300.

Lightning Network e Sidechains

Antes de entender o que são drivechains, vamos entender primeiro o que são as sidechains.

Uma sidechain é uma rede paralela a blockchain Bitcoin, que pode ser entendida como uma cadeia lateral. Ou seja, uma blockchain com suas próprias regras que se conecta à rede Bitcoin principal.

Assim, uma sidechain usa o Bitcoin como moeda e a blockchain principal como rede de liquidação final.

Por exemplo, a Lightning Network é uma rede de segunda camada que veio para oferecer mais escalabilidade para o Bitcoin, permitindo transações mais rápidas e com taxas menores.

No entanto, isso não seria possível de acontecer na rede principal, pois exigiria blocos maiores e confirmações mais rápidas. Logo, ampliar o tamanho do bloco é uma discussão antiga que traria consequências, como a perda da descentralização da rede e uma maior vulnerabilidade a ataques.

Portanto, a solução para não modificar propriedades fundamentais do Bitcoin foi a criação de uma rede lateral que não afetasse a rede principal, mas que servisse para atender às necessidades dos usuários de realizar micropagamentos.

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A rede Lightning é uma rede off-chain, ou seja, não tem blockchain. Assim, são canais de pagamento que se conectam entre si e funcionam através de roteamento de transações entre nodes e verificação do estado da rede em cada momento.

Não ter uma blockchain é um fator crucial para alcançar a escalabilidade, visto que as blockchains tendem a ter algum grau de latência devido ao tipo de processamento necessário.

A rede Lightning, ao remover a blockchain da equação, conseguiu proporcionar pagamentos rápidos e baratos de Bitcoin sem comprometer suas propriedades fundamentais.

Já as sidechains podem funcionar de inúmeras formas e nem sempre conseguem manter as propriedades fundamentais do Bitcoin subjacente.

As cadeias laterais possuem uma programação e forma de agir diferente da cadeia principal, mas são comunicáveis e trocam informações entre si. Portanto, existe uma grande discussão emergindo no horizonte que questiona: o que caracteriza uma camada dois do Bitcoin?

A resposta é justamente essa: a que preserva as propriedades fundamentais do Bitcoin em camada um.

Stacks

Um exemplo de embate é o protocolo Stacks, que se diz uma camada dois do Bitcoin, uma sidechain. Contudo, Stacks possui um token próprio (STX), não tem paridade com BTC e quebra propriedades fundamentais do Bitcoin por não ter liquidação final em camada um, em timechain.

É por isso que o Stacks é apenas uma sidechain na narrativa de marketing do protocolo, mas não na prática. Pode ser considerado um affinity scam que usa o nome do Bitcoin para se passar por uma verdadeira camada dois.

Liquid

Um outro exemplo de cadeia lateral é a rede Liquid, onde os usuários podem utilizar diversos serviços financeiros com Bitcoin e até mesmo criar novos tokens.

A diferença aqui é que na rede Liquid existe paridade entre LBTC e o BTC original, e também há liquidação final na rede Bitcoin principal.

Contudo, a rede Liquid ainda não teve uma adoção tão significativa como a Lightning Network; ainda está sendo desenvolvida e buscando formas de escalar.

Além disso, um ponto crucial é que a rede Liquid funciona através de uma federação, o que a torna centralizada nas decisões da Blockstream.

Mas afinal, o que as sidechains tem a ver com a BIP-300?

A BIP-300

A BIP-300 foi proposta pela primeira vez em 2017 por Paul Sztorc (abaixo) e sua empresa, LayerTwo Labs. Entretanto, a discussão não foi para frente e só retomou anos depois, em agosto de 2023, por conta de uma atualização na proposta feita pelo desenvolvedor Luke Dash jr.

Paul Sztorc

A ideia da BIP-300 é introduzir “Drivechains” no Bitcoin, isso permitiria a criação de um mecanismo nativo de sidechain no Bitcoin, facilitando que o Bitcoin (moeda) fosse interligado em cadeiras separadas. 

Hoje, uma sidechain como a Liquid possui o seu próprio token (L-BTC) e para usá-lo, é preciso trocar BTC por L-BTC. 

Entretanto, nessa proposta de drivechain (BIP-300), o Bitcoin circularia normalmente entre diversas cadeias.

Paul Sztorc, idealizador da BIP-300, afirmou que isso viabilizaria a criação de altcoins nativas na rede do Bitcoin. Seria algo semelhante a ter um “Ethereum”, só que na rede do Bitcoin.

Drivechains no Bitcoin

Portanto, para que isso seja possível, a BIP-300 propõe a introdução de um novo opcode (instrução que o software deve seguir) no Bitcoin, chamado “OP_DRIVECHAIN“.

Esse opcode facilitaria a criação de uma sidechain, pois permite que os mineradores incluam uma mensagem no bloco sinalizando seu apoio a uma sidechain específica. 

A ideia central do funcionamento da proposta de drivechain é permitir que diversas sidechains sejam criadas no Bitcoin, para que a rede tenha diversas funcionalidades. Além disso, essa proposta também viabilizaria o surgimento de altcoins nativas no Bitcoin.

Assim, teoricamente, ninguém precisaria de nenhuma outra moeda, como Ethereum, Cardano, Monero, etc, pois o Bitcoin conseguiria suprir as necessidades dos usuários com diversas funcionalidades.

Polêmico, né?!

Como a BIP-300 seria implementada no Bitcoin?

A ideia é que a BIP-300 seja implementada por meio de um soft fork na rede. Ou seja, uma atualização no Bitcoin Core para uma nova versão com a drivechain, da mesma forma que ocorreu com a atualização do Taproot, por exemplo.

No entanto, Maxim Orlovsky, o CEO de um projeto de soluções de escalabilidade de blockchains chamado Pandora, publicou um tweet dizendo que havia encontrado uma forma de a BIP-300 ser implementada sem precisar de um soft fork.

Mas, a discussão sobre essa forma de implementação não foi para frente. 

Portanto, o que se sabe é que a BIP-300 precisaria de alguns requisitos para ser implementada, como:

  • Adição de Opcodes: É necessário a adição do opcode “OP_DRIVECHAIN” ao protocolo Bitcoin para facilitar a criação e operação de sidechains.
  • Implementação de uma forma de mineração diferente: Conforme proposto na BIP-301, um tipo de mineração chamada Blind Merged Mining deve ser implementado para permitir que os mineradores minerem sidechains sem executar o software dela.
  • Atualização do Bitcoin Core: Os nós da rede Bitcoin precisarão ser atualizados para uma nova versão a fim de suportar as novas funcionalidades.
  • Ativação de soft fork pelo usuário: A implementação das drivechains requer um User-Activated Soft Fork (UASF) no protocolo Bitcoin. Isso significa que a adesão das pessoas que executam nós do Bitcoin é crucial para o sucesso da implementação das mudanças.

Além desses detalhes técnicos, é claro que a BIP-300 precisaria passar por um amplo consenso da comunidade, pelo apoio dos mineradores e por rigorosos testes e revisões.

Mineração das sidechains após BIP-300 (Blind Merged Mining)

Uma das amplas discussões sobre essa implementação é como seria feita a mineração dos blocos nas cadeias laterais e qual seria o papel dos mineradores da rede Bitcoin nessa proposta. 

Assim, juntamente com a BIP-300, a BIP-301 especifica como aconteceria a mineração de sidechains com a atualização de drivechain. Basicamente, os mineradores poderiam minerar uma sidechain sem precisar executar o software dela e usariam seu poder de hash já existente. 

Essa mineração se chama Blind Merged Mining, ou mineração “cega”. Nela, o usuário separado da sidechain executa seu nó e constrói o bloco, pagando a si mesmo as taxas de transação. Em seguida, ele usa uma quantia equivalente de dinheiro para “comprar” o direito de encontrar este bloco.

Isso possibilita que os mineradores minerem várias sidechains, ou seja, várias moedas usando o mesmo poder de hash que já possuem da rede principal. 

O cabeçalho da sidechain é incorporado no cabeçalho da rede Bitcoin, portanto a mesma prova de trabalho (Proof-of-Work) é usada. Logo, quando um minerador encontra um bloco, ele tem a possibilidade de publicar em ambas as redes, recebendo recompensa das duas. 

Discussões acerca da BIP-300

Como toda proposta nova na rede do Bitcoin, a BIP-300 trouxe uma série de discussões na comunidade, desde sua real necessidade de implementação até mesmo os benefícios que ela poderia trazer.

Vantagens

  • Inovação: As sidechains permitem testar novas funcionalidades e atrair mais usuários para diferentes usos de Bitcoin;
  • Escalabilidade: Com contratos inteligentes sendo possíveis nas sidechains, a proposta de drivechain oferece operações que não são escaláveis na camada um.
  • Eficiência: A mineração cega (Blind Merged Mining) pode permitir que mineradores aloquem recursos em outras redes, maximizando a eficiência do processo;
  • Incentivo aos mineradores: Os mineradores podem ganhar recursos adicionais e ter uma variedade de receita maior, sem precisar rodar um nó diferente;
  • Novas tecnologias: A drivechain permite que novas funcionalidades e recursos sejam inseridos no Bitcoin, tornando ele mais competitivo e introduzindo novos públicos para o Bitcoin.

Desvantagens

  • Risco de ataque de 51%: A alocação de poder de hash para a mineração de sidechains pode tornar um ataque de 51% possível;
  • Vulnerabilidade da rede: A rede principal pode ficar mais vulnerável, já que os mineradores podem alocar parte de seu poder computacional nas sidechains;
  • Risco na mineração: A nova forma de mineração, Blind Merged Mining, pode ser suscetível a manipulação e fraudes;
  • Complexidade: Implementar a drivechain adiciona mais complexidade na rede, sendo que o Bitcoin sempre buscou ser uma rede mais “simples” e funcional;
  • Contratos inteligentes vulneráveis: Novos contratos inteligentes podem ser porta de entrada para ataques, fraudes e manipulação;
  • Manipulação por mineradores: Existe a possibilidade de mineradores extraírem valor adicional da mineração;
  • Ameaça à descentralização: O merged mining aumentaria a quantidade de informações em cada bloco minerado, o que por sua vez aumentaria o volume de dados armazenados na blockchain do Bitcoin. Isso também aumentaria o peso e o preço do hardware necessário para executar um nó completo, o que pode dificultar que os usuários rodem um nó e afetar a descentralização da rede.
  • Espaço para scam: Com o surgimento de altcoins na rede, pode ser um espaço propício para o surgimento de affinity scams, usando Bitcoin para legitimar narrativa fraudulenta;
  • Escrutínio regulatório: Com diversos novos tokens e funcionalidades, isso pode atrair uma pressão regulatória ainda maior para a rede.

Conclusão

As drivechains podem parecer uma proposta atraente para o Bitcoin ne primeira vista, mas é importante ter muito cuidado ao adicionar elementos novos na rede. 

É por isso que no Bitcoin, as atualizações são sempre cuidadosamente analisadas para que qualquer mudança não afete a segurança dos usuários e, principalmente, a descentralização da rede.

Muitas altcoins por aí implementam atualizações com facilidade, o que as torna suscetíveis a ataques e centralização.

Assim, uma das belezas do Bitcoin é justamente permitir um amplo debate na rede antes de mudar qualquer coisa. Além disso, apenas aqueles que desejam atualizam para as novas versões. Nenhuma atualização é forçada.

Apesar da ampla discussão e de haver diversos pontos positivos e negativos, a BIP-300 não foi para frente, pelo menos ainda.

Entretanto, pode ser que o debate seja reacendido pela comunidade e, até mesmo, que essa proposta seja implementada no futuro. 

Mas antes disso acontecer, muitos testes e análises da proposta devem ser feitos para que a segurança do Bitcoin não seja afetada com esta atualização.

Espero que você tenha gostado desse artigo e entendido mais sobre as drivechains e a BIP-300.

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Escrito por
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Kaká Furlan

Fundadora da Area Bitcoin, um dos maiores projetos de educação de Bitcoin do mundo, publicitária, apaixonada por tecnologia e mão na massa full time. Já participou das principais conferências de Bitcoin como Adopting, Satsconf, Surfin Bitcoin e Bitcoin Conference.

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