Em 2021, a Web3 se tornou uma tendência exagerada, e muitas pessoas ainda não compreenderam plenamente que, na verdade, ela não passa de uma ilusão, uma narrativa fictícia. A ideia de uma Web3 descentralizada não possui base concreta na realidade, e foi superestimada por muitos durante esse período.

De web descentralizada de verdade, não tem nada.

Neste artigo, explicaremos esse conceito e também mostraremos como a internet pode se tornar mais descentralizada e escapar do controle das grandes empresas de tecnologia, as famosas big techs. No entanto, isso não será alcançado através da web3, do DeFi ou de uma mistura de conceitos sem sentido frequentemente disseminados.

O início da internet

Para que você possa compreender a origem do termo “web3”, é necessário entender o que ocorreu anteriormente. O primeiro ponto a ser destacado é que a internet surgiu de certa forma descentralizada.

Web 1.0

A web 1.0, também conhecida como “Web estática” ou “Web primitiva”, foi a fase inicial da World Wide Web, onde a internet começou a se popularizar como uma plataforma de compartilhamento de informações. Ela teve sua origem na década de 1950, mas foi a partir dos anos 90 até meados dos anos 2000 que alcançou um grande número de usuários.

Nessa era, qualquer pessoa podia hospedar um servidor, e cada computador atuava como um relé entre navegadores e servidores, possibilitando o armazenamento de suas próprias informações.

Essa capacidade de combinar software existente para criar novo software sem a necessidade de permissão do desenvolvedor original é conhecida como “composabilidade” da web 1.0. A padronização nessa era permitiu a criação de produtos sobre produtos, agilizando o lançamento de novos serviços e resultando na rápida expansão da internet.

Entretanto, à medida que as grandes empresas de internet perceberam a importância dos dados dos usuários, elas começaram a estabelecer seus próprios padrões internos, passaram a armazenar dados dos usuários e restringiram o acesso de terceiros aos seus produtos. Esse cenário deixou os usuários em uma posição vulnerável, sem acesso a seus próprios dados e arquivos, ficando reféns dessas empresas.

Web 2.0

Esse é o motivo pelo qual não podemos nos comunicar entre o WhatsApp e o Telegram ou utilizar nosso perfil do Facebook no Twitter. Isso é característico da Web 2.0, que se tornou sinônimo de rastreamento de dados, formatos proprietários, falta de interoperabilidade, hipercentralização e, principalmente, falta de composabilidade entre softwares.

Com diversos programas distintos para diferentes finalidades, acabamos acumulando uma confusão digital.

Essa situação foi ocasionada pela invasão das empresas do Vale do Silício e dos investidores de Wall Street na web 1.0. A internet transformou-se em um laboratório tecnológico para Wall Street, dando origem a várias gigantes da internet que se tornaram as chamadas big techs, criando sistemas extremamente centralizados.

Essas empresas têm controle sobre os dados dos usuários, podendo utilizá-los para fins diversos, como segmentação de anúncios e tomadas de decisões comerciais. Isso levanta preocupações importantes sobre privacidade e proteção de dados dos usuários.

Diante desse cenário, alguns esforços têm sido feitos para promover a abertura e a descentralização da internet. Conceitos como Web 3.0 e descentralização da web surgiram como alternativas, buscando solucionar os problemas observados na Web 2.0.

Web 3.0

Com o surgimento do Bitcoin e a tokenização de ativos, surgiu a “possibilidade” de imaginar uma web 3.0, que prometia ser uma volta à internet descentralizada e livre de grandes controladores.

Essa ideia era empolgante! Contudo, logo se percebeu que era apenas uma ilusão

A chamada “Web3” acabou sendo mais usada como uma estratégia de marketing do que para efetivamente descentralizar a internet, como era a ideia original. Na Area Bitcoin, percebemos isso ao analisar os chamados protocolos WEB3, que, apesar de serem anunciados como descentralizados, têm CEOs, uma distribuição inicial que favorece os criadores do projeto e recebem financiamento de venture capital.

Além disso, esses projetos foram construídos em uma infraestrutura de hardware dependente de data centers, o que não contribui para a descentralização da internet. Portanto, acabam sendo apenas mais um exemplo de “projetos DINO” (Decentralized In Name Only), ou seja, descentralizados apenas no nome e com tendência à extinção.

Muitos afirmaram que a Web 3.0 seria livre de intermediários e verdadeiramente descentralizada, como retratado na imagem abaixo.

Evolução da Web 1.0, para 2.0 e 3.0

No entanto, a realidade mostra que o cenário é bem diferente do que foi prometido. A evolução da internet ainda enfrenta desafios para alcançar a verdadeira descentralização, e é importante manter um olhar crítico sobre os projetos que se autodenominam “Web3” para entender se eles realmente estão cumprindo a missão de descentralização ou apenas usando o termo como uma jogada de marketing.

A importância da descentralização

O pior de tudo é que muitas pessoas ainda estão presas nessa abordagem puramente de marketing, mesmo após o hype da web3 ter passado. Geralmente, essas pessoas não compreendem o verdadeiro significado da descentralização.

É por isso que enfatizamos tanto esse conceito, pois se você não entende a descentralização, acaba se tornando uma presa fácil para indivíduos enganosos, cheios de promessas vazias que só visam obter o seu dinheiro.

Descentralização no Bitcoin

Satoshi Nakamoto, criador do Bitcoin, enfatizou que o maior trunfo do Bitcoin era a descentralização. E é exatamente a falta de descentralização que levou outros projetos de criptomoedas ao fracasso desde os anos 80 até hoje.

Assim, embora muitas pessoas acreditem que o Bitcoin tenha sido a primeira criptomoeda criada, a verdade é que ele surgiu a partir de ideias e tentativas anteriores que não tiveram sucesso, como Bitgold, criado por Nick Szabo, e Digicash, criado por Adam Back.

Portanto, o Bitcoin não foi a primeira criptomoeda criada, porém, é a única que teve êxito de forma descentralizada, enquanto muitos outros projetos são apenas teatro de descentralização.

Refletindo sobre isso, percebemos que não é necessário criar blockchains e tokens para estabelecer redes peer-to-peer independentes das grandes empresas de tecnologia. Basta desenvolver protocolos que permitam que as pessoas armazenem seus próprios dados e se conectem umas às outras.

Especulação

Quando tokens estão envolvidos, geralmente ocorre especulação em torno do preço do token, o poder de decisão se concentra em algumas mãos, há pré-mineração e desigualdade de oportunidades, já que alguém pode criar o token a custo zero. O foco no produto final e nas redes centradas nos usuários se perde e tudo se torna apenas uma ficha de cassino.

A especulação é, de fato, um jogo. Porém, é importante questionar se investir em algo semelhante a um cassino é sensato, sabendo que, em última análise, a “casa” sempre sai ganhando.

Nas altcoins, os “donos da casa” são insiders e venture capitals, transformando os usuários em “exit liquidity“. A mentalidade focada apenas no dinheiro no bolso, mesmo vindo de “shitcoins” (moedas de baixa qualidade), é um equívoco, pois mantém uma abordagem fiat, voltada para o curto prazo, que tende a fazer as pessoas perderem tempo e dinheiro.

É crucial pensar em termos de valor real, utilidade e longo prazo, em vez de se envolver em especulações arriscadas.

Uma narrativa para um hype

A verdade é que, nesse ambiente de centralização oculta e métricas distorcidas, fica claro que a “Web3 tem mais investidores do que usuários”, o que demonstra ser um ambiente de especulação, não de inovação real.

A Realidade da Web Descentralizada

A realidade é que não é necessário um token para criar uma web descentralizada.

Por exemplo, a Web1 não utilizava tokens. O objetivo de um token é enriquecer os criadores e investidores iniciais do projeto, em vez de aprimorar o produto e resolver um problema real. A existência de um token acaba se tornando um método de arbitragem regulatória para contornar as leis de valores mobiliários existentes, ou seja, é uma empresa disfarçada de protocolo.

A questão aqui não é ser pró-regulação, mas sim cumprir o que é prometido. Se o protocolo não é o que diz ser, é um golpe para enganar aqueles que não compreendem o assunto.

Chris Dixon

Um exemplo é Chris Dixon, sócio da empresa a16z, um Venture Capital do Andreessen Horowitz. Eles fizeram investimentos substanciais em Solana, bem como em diversos outros projetos, que generosamente concederam uma fatia significativa de seu suprimento de tokens – quase 50% – aos investidores iniciais, incluindo os próprios VCs. Esses grupos de investidores iniciais foram os principais responsáveis por uma gigantesca venda de tokens ocorrida em junho de 2022, que resultou em um lucro superior a $300 milhões proveniente da comercialização desses tokens para o público em geral.

Então, se a Web 3.0 é supostamente a internet de propriedade dos builders e dos usuários, por que vender os tokens desse projeto para esses usuários? Isso parece ser uma contradição.

É totalmente hipócrita fingir que a web3 é descentralizada, quando, na verdade, são empresas que violam todas as leis e enganam os investidores, uma vez que a maioria deles não entende esses conceitos. Além disso, os bugs tornaram a centralização de Solana totalmente evidente, já que os desenvolvedores precisaram reiniciar a rede de forma centralizada diversas vezes em 2022.

Quando se fala em Web3, há toda uma indústria interessada em vender um mundo dos sonhos, onde esse é o futuro da internet e da nova economia. No entanto, na realidade, parece ser mais uma estratégia para estimular a compra desses tokens e lucrar com taxas e spread de preço.

Internet descentralizada (sem tokens)

A boa notícia é que ainda é possível ter uma internet independente das garras das grandes empresas de tecnologia. Recentemente, o protocolo Nostr, inspirado no Bitcoin, foi criado com o objetivo de descentralizar a internet. Nele, qualquer pessoa pode ter um relay e armazenar seus próprios dados de navegação.

O Nostr está conectado à lightning e a outros aplicativos da rede Bitcoin, permitindo a criação e monetização de conteúdo de forma peer-to-peer entre produtores e consumidores, através da rede lightning do Bitcoin.

Contudo, a comunidade ligada à web3 não demonstrou interesse pelo Nostr.

Por que será? Será porque não há tokens para especulação? Ou talvez por não haver um grande investimento de venture capital para impulsionar esse token?

Isso reforça a ênfase especulativa que permeia a web3. Muitas pessoas estão interessadas em web3 mais pela ideia de ganhar dinheiro com a narrativa atraente de uma internet descentralizada do que pela real descentralização da internet em si!

Tudo isso mostra que, na verdade, a web3 é um grande golpe apoiado por investidores institucionais, e não um verdadeiro movimento de descentralização e redução do poder das grandes empresas de tecnologia. Os incentivos da web3 continuam apontados para a centralização, assim como na web2.

Bitcoiners discutem isso há pelo menos 10 anos nos fóruns da internet:

Uma conversa de um usuário em um forúm da internet

Em 2013, já se falava sobre web3 e internet descentralizada, mas naquela época, ninguém poderia imaginar que o termo seria cooptado pelo Vale do Silício.

Concusão

Esperamos sinceramente que as pessoas comecem a discernir claramente as coisas, pois quando algo vai contra seus próprios princípios, pode se tornar um grande tiro no pé. Isso pode acabar com o propósito inicial de tudo e, em algum momento, falhas fundamentais podem surgir, expondo sua fragilidade.

Esse cenário já está acontecendo por meio da captura regulatória, onde a SEC e a CVM americana estão identificando e apontando a centralização em projetos chamados de “securities” não reguladas.

Há muito tempo, os defensores do Bitcoin alertam sobre a possibilidade de captura regulatória e sobre como qualquer coisa falsamente descentralizada sucumbiria ao Estado. Afinal, os EUA centralizaram o ouro no passado e têm uma tendência a centralizar tudo o que for possível. A boa notícia é que com o Bitcoin, essa possibilidade não existe, pois ele é verdadeiramente descentralizado, e inúmeras tentativas de proibições falharam.

Com o Bitcoin, lightning e novos protocolos P2P como o Nostr, a composabilidade da web 1 volta a estar em nossas mãos de forma ilimitada, permitindo que os desenvolvedores criem novos aplicativos com base em outros aplicativos, sem a necessidade de permissão dos desenvolvedores originais, muito menos de VCs.

Esse cenário está levando a um novo paradigma de desenvolvimento de software, onde a inovação é verdadeiramente incentivada, e o controle é devolvido aos usuários, não às grandes empresas de tecnologia.

Até a próxima e opt out!

Compartilhe em suas redes sociais:

Escrito por
Imagem do Autor
Carol Souza

Uma das principais educadoras de Bitcoin no Brasil e fundadora da Area Bitcoin, uma das maiores escolas de Bitcoin do mundo. Ela já participou de seminários para desenvolvedores de Bitcoin e Lightning da Chaincode (NY) e é palestrante recorrente em conferências sobre Bitcoin ao redor do mundo, bem como Adopting Bitcoin, Satsconf, Bitcoin Atlantis, Surfin Bitcoin e mais.

Ícone do X

Curtiu esse artigo? Considere nos pagar um cafezinho para continuarmos escrevendo novos conteúdos! ☕