Com o Bitcoin, você pode ser seu próprio banco.
Para isso, é só tirar seus satoshis da corretora e enviar para uma carteira não custodiante, onde só você terá acesso às chaves que permitem movimentar o saldo. Infelizmente, a maioria das pessoas não utiliza essa característica única do Bitcoin: ou porque não têm acesso a boas carteiras ou porque não confiam tanto em si mesmas (afinal, a responsabilidade pelas moedas passa a ser 100% do indivíduo).
Então, temos um impasse: de um lado estão as exchanges centralizadas que podem barrar saques, por exemplo, e, do outro, fazer sua própria custódia, o que exige mais responsabilidade e conhecimento por parte do usuário. Será que existe um meio termo? Alguma solução que permita mais custódia de uma forma mais simplificada?
A resposta é sim, e o meio termo se chama Fedimint. Esse artigo é justamente sobre isso e seu objetivo é explicar o que é Fedimint e como ele funciona.
Nesse texto você vai encontrar:
As alternativas
Infelizmente, muitas pessoas ainda deixam seus bitcoins nas corretoras ou bancos, sendo custodiados por terceiros. Porém, isso é exatamente o que deve ser evitado.
Comprar Bitcoin de uma corretora e deixá-lo lá ou comprar Bitcoin de um banco que não te permite sacar é o pior que você pode fazer.
Logo, você precisa confiar que:
- a corretora ou banco não vai falir e vai te entregar seus bitcoins caso você realize um saque;
- eles não vão te roubar;
- o Estado não vai mandar congelar a sua conta a qualquer momento ou tomar os seus ativos, como ele pode facilmente fazer – igual os EUA fizeram com o ouro da sua população em 1993 e assim como o Collor fez em 1990, quando confiscou a poupança para “salvar a economia da hiperinflação”.
É sempre bom lembrar que nós nunca sabemos o que vai acontecer no dia de amanhã, portanto, é sempre bom estar preparado para o pior. Fazer custódia de bitcoins com terceiros é confiar cegamente em uma empresa e no Estado (que não tem um histórico tão positivo).
Dessa forma, o cenário ideal é fazer sua própria custódia: deixar seus bitcoins em uma carteira, de preferência uma hardwallet, e armazenar de maneira segura as 12 palavras.
Dito isso, o Fedimint é uma terceira opção que está sendo desenvolvida nesse exato momento.
Como os próprios criadores do projeto gostam de dizer, o Fedimint é um intermediário entre a auto custódia e a custódia terceirizada – muitos estão chamando de custódia secundária, na qual você confia em uma comunidade que você conhece bem.
O que é Fedimint?
Um dos criadores do projeto, Obi Nwosu, era dono de uma corretora inglesa e sempre desejou levar o Bitcoin para a Nigéria. Porém, ele não conseguia pensar em alternativas para isso, uma vez que muitos nigerianos não cumprem as regras de KYC (conheça seu cliente) das corretoras centralizadas ou não têm acesso ou dinheiro para comprar hardwallets. Ademais, muitos não sabem como armazenar bem suas chaves privadas.
Certo dia, após vender a sua corretora, ele conheceu Eric Sirion, um desenvolvedor que procurava parceiros para seu projeto: a criação de Federações (formadas por pessoas que se conheciam) para auxiliar na integração de novos indivíduos ao ecossistema Bitcoin.
Algumas conversas foram o suficiente para que eles decidissem tocar esse projeto juntos.
Eles entenderam que o Fedimint pode ser uma maneira de levar o Bitcoin para populações remotas, imigrantes, etc.
O projeto pode ser capaz de acelerar a hiperbitcoinização, uma vez que ele melhora a escalabilidade do Bitcoin. Além disso, vale ressaltar que o objetivo não é competir com as hardwallets, por exemplo, mas garantir que mais pessoas tenham acesso a uma maneira melhor e mais segura de armazenar bitcoins do que as corretoras centralizadas.
Para Obi, existem três fundamentos chave no Bitcoin:
- ser descentralizado;
- ser incensurável;
- ser global.
Para ele, todo projeto que faça sentido para o Bitcoin deve manter esses três fundamentos. Há três grandes projetos do Bitcoin que, de acordo com Obi, o fazem.
O primeiro é a própria moeda bitcoin: ela é uma reserva de valor descentralizada, incensurável e global.
O segundo pilar é a rede Lightning, que é uma forma de pagamento também descentralizada, incensurável e global.
Por fim, o terceiro e mais novo pilar, o Fedimint: um protocolo de custódia menos centralizado que exchanges, incensurável e global.
Quer entender mais sobre o que é Fedimint e como funciona? Assista esse vídeo que a gente te explica:
Como o Fedimint vai funcionar?
Um grupo de pessoas, habitantes de uma vila, por exemplo, decide se juntar para usar Bitcoin. Juntos, eles formarão uma Federação e não necessitarão de nenhuma instituição financeira.
Essa Federação possuirá Guardiões, que serão os responsáveis por rodar o servidor da Federação e fazer o backup das chaves privadas dos bitcoins de todos.
Uma vez que os usuários depositem bitcoins em endereços da Federação, eles receberão um token chamado Ecash, lastreado em Bitcoin.
Assim, os moradores daquela vila podem fazer as suas transações com Ecash e, quando bem desejarem, converter de volta o valor em Bitcoin.
Como as movimentações do Ecash não são registradas diretamente na Blockchain do Bitcoin, elas podem ser feitas de maneira mais rápida e com taxas bem menores.
Por isso, o Fedimint, assim como a rede Lightning, é um protocolo que busca ampliar a escalabilidade do Bitcoin, a fim de que mais pessoas possam utilizá-lo. Com esse objetivo, o Fedimint até mesmo possui integração com a rede Lightning.
Para fazer pagamentos para indivíduos que não fazem parte da Federação, basta que o usuário envie bitcoins on-chain ou Lightning normalmente: seus tokens Ecash serão queimados e o receptor receberá Bitcoin via on chain ou via Lightning.
É importante dizer que os Guardiões não sabem quantos bitcoins cada usuário possui e, toda vez que alguém fizer um pagamento ou um depósito, eles não saberão quem foi.
Logo, sua função principal é armazenar as chaves privadas da carteira da Federação, que é, inclusive, uma carteira multi-assinatura. Assim, é preciso que a maioria dos Guardiões aceite uma transação que será feita em nome da Federação para uma carteira externa. Isso traz mais segurança e descentralização para o protocolo.
O mecanismo que permite com que tudo isso ocorra se chama “Assinatura cega” e foi criado por David Chaum na década de 80. Esse tipo de assinatura dá mais privacidade a seus usuários, porque as transações com Ecash não são transparentes como as transações feitas com Bitcoin, que ficam registradas na Blockchain – só conseguimos ver as transações de formação e de desintegração dessas Federações na Blockchain (talvez nem mesmo isso seja possível: por causa da atualização Taproot, as assinaturas multi-assinaturas para aberturas de canais de Lightning ou formações de Federações podem se parecer com transações comuns).
Ademais, o que acontece dentro do protocolo é bastante privado, pois os membros das Federações têm um acesso muito limitado ao saldo e às chaves privadas dos outros membros.
Há uma analogia frequentemente usada para explicar a “Assinatura cega” criptográfica criada por David Chaum.
Imagine que alguém colocou um papel em branco dentro de um envelope, só que o papel está forrado com papel carbono. Um Guardião da Federação assina o envelope externamente, sem saber qual o conteúdo do que tem dentro. Então, quem receber o envelope vai ver a assinatura marcada pelo papel carbono no papel branco. Desse modo, a assinatura externa permite que a transação ocorra, porque o papel interno do envelope também foi assinado, mesmo que o responsável pela assinatura não saiba qual seu conteúdo.
Dessa maneira, o protocolo permanece seguro pois há confirmações das transações pelos Guardiões, mas continua privado, pois eles não sabem o que os membros estão fazendo com aqueles bitcoins.
O que o Fedimint resolve?
O maior benefício do Fedimint é que comunidades inteiras deixam de depender de bancos e Estados para transacionar valores entre si.
Assim, fica muito mais fácil para as pessoas que não possuem conhecimento técnico sobre o Bitcoin começarem a utilizá-lo, porque reduz as dificuldades de fazer auto custódia com 100% da responsabilidade.
Dando o exemplo da vila nigeriana, apenas uma pequena parte de pessoas precisaria possuir algum equipamento mais elaborado para ser um Guardião e fazer a Federação funcionar. Os demais precisariam apenas de um aplicativo de celular e, a partir daí, já poderiam se conectar à Federação e passar a utilizar Bitcoin no seu dia a dia.
Os Guardiões tendem a ser pessoas que já fariam sua custódia própria e que são mais tecnicamente capazes de fazer esse processo. Da mesma forma que antigamente os membros mais fortes defendiam os mais fracos da vila, aqui acontece o mesmo.
É comum ouvir falar desse projeto e logo pensar que as pessoas da aldeia vão precisar confiar em outras pessoas, os Guardiões, já que as chaves privadas ficarão com eles. Isso é totalmente o contrário do que defendemos sobre soberania e auto custódia, por exemplo.
Então, fica a pergunta: os guardiões poderiam roubar os bitcoins de todos?
A resposta é que isso não seria possível, porque, com as multi-assinaturas, várias pessoas precisam aprovar as transações, o que torna mais difícil esse tipo de abuso de confiança.
Porém, essa confiança nos Guardiões é uma troca que, em alguns casos, pode valer a pena.
Pense que uma pessoa que não se sente segura o suficiente para armazenar sozinha suas chaves ou alguém que não saiba fazer custódia própria pode enxergar no Fedimint uma maneira de finalmente alcançar uma soberania maior do que a que possuía, mesmo que não seja a ideal para os bitcoiners.
Obi até nos lembra que, ao contrário da visão ocidental que muitas vezes estamos acostumados, em pequenas comunidades e vilarejos, a confiança entre os indivíduos é muito grande.
Além disso, a Federação pode funcionar de outras maneiras: uma família pode montar uma Federação, por exemplo. Um grupo de apoio para refugiados pode formar outra e utilizá-la para enviar dinheiro para pessoas em situações excludentes. Dessa forma, os incentivos dos Guardiões tendem a estar alinhados com os dos demais usuários.
Por isso, os Guardiões não podem ser instituições financeiras ou indivíduos e empresas que busquem lucrar com isso, porque, nesses casos, haverá um conflito de interesses. Ao contrário do Bitcoin, que é trustless, ou seja, não precisa que você confie em alguém, o Fedimint necessita sim de algum nível de confiança.
Quais os riscos e problemas do Fedimint?
Por fim, por mais privadas que as transações com Fedimint sejam, ele ainda possui um problema de centralização. Na verdade, o que é um problema para alguns pode ser uma solução para outros.
Para quem tem acesso a carteiras e sabe como armazenar seu dinheiro, esse continua sendo o melhor caminho. Porém, visando a adoção global do Bitcoin, o Fedimint pode ajudar muitas e muitas pessoas a entrarem nesse ecossistema de uma forma mais simples.
Previsto para ser lançado no primeiro trimestre de 2023, vamos acompanhar de perto a evolução do Fedimint e ver se ele vai mesmo se consolidar como mais uma camada da rede Bitcoin.
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