Em 2017, começa a história da corretora que viria a se tornar a maior exchange de Bitcoin e moedas digitais do mundo: a Binance. Sua trajetória, repleta de embates com órgãos regulatórios, estímulo a shitcoins e comportamento de cassino, mudança de sedes, CEOs icônicos e multas bilionárias, renderia um roteiro eletrizante para uma série de streaming.
A Binance hoje tem suporte em mais de 180 países e aceita 15 moedas fiduciárias, entre elas o real, o dólar e o euro.
Entretanto, em novembro de 2023, o gênero da série passou a ser policial quando Changpeng Zhao, até então CEO da empresa, assumiu a culpa sobre acusações do governo federal americano contra a Binance, como lavagem de dinheiro, violação de sanções e um rol de crimes fiscais que resultaram em sua prisão, pagamento de fiança e na maior multa dos EUA: US$ 4 bilhões.
Pegue a pipoca e prepare-se para conhecer a história da Binance, entender como ela passou de um cassino de “shitcoins” para um banco regulado através da captura regulatória, e descobrir se a Binance é confiável e se vale a pena comprar bitcoins pela plataforma.
Como a Binance surgiu?
O primeiro episódio da Binance começa na China em 2017, quando Changpeng Zhao – conhecido mundialmente como CZ, um desenvolvedor com experiência no mundo das finanças e da tecnologia – fundou a plataforma.
A ideia de criar a Binance surgiu quando Zhao percebeu a necessidade de uma plataforma de negociação de Bitcoin e criptos mais eficiente para os usuários.
Entretanto, antes de fundar a Binance, Zhao foi membro da equipe que desenvolveu o Blockchain.info e também trabalhou como CTO da OKCoin, outra exchange de moedas digitais.
Depois do início na China, seus servidores e sedes foram logo transferidos para o Japão, em local mantido em sigilo, devido à proibição do comércio de moedas digitais pelo governo chinês.
Assim, em apenas oito meses, em abril de 2018, a Binance já tinha se consolidado no mercado, criado a própria moeda (BNB) e atingido o recorde de maior volume mundial diário de negociação – US$ 24 bilhões.
A mudança de sedes se intensificou à medida que os países nos quais a exchange se estabelecia aumentavam a regulação sobre o serviço de compra e venda de Bitcoin e moedas digitais.
A saída da China e do Japão – e a intenção de estabelecer uma sede em Malta – foi anunciada em 2018, novamente motivada por regulamentações mais rígidas dos governos.
No mesmo ano, para viabilizar sua atividade, foi assinado um Memorando de Entendimento (MoU) com o governo das Bermudas e um documento similar com a bolsa de valores de Malta.
A expansão para a Europa se deu com a instalação de uma sede em Jersey, um paraíso fiscal dependente da coroa britânica, mas que não faz parte do Reino Unido.
Como a Binance virou a maior exchange do mundo?
Um dos principais pontos que devem ser considerados é que a Binance começou a operar em um momento chave do mercado, coincidindo com o boom das altcoins.
A Binance agarrou a oportunidade de crescer às custas de dinheiro criado do nada, via pré-mineração, pump ‘n’ dump de venture capitals e rapidamente se tornou a plataforma com a maior listagem de altcoins do mercado, atraindo todos os tipos de especuladores ao redor do mundo.
Portanto, desde o início, a plataforma era voltada para especulação, trade, futuros, alavancagem e diversos tipos de operações para “maximizar lucro”. Além disso, a Binance buscou ser competitiva em taxas e por muito tempo manteve taxas menores em comparação com outras exchanges, além de se envolver com usuários através de premiações e comunidades, como os Binance Angels.
Com dinheiro abundante e evitando regulamentações em diversos países, a empresa aproveitou para surfar as ondas do mercado e expandiu seus serviços para incluir “finanças descentralizadas” (DeFi – embora isso seja questionável 😂), oferta inicial de moedas (ICOs 🤮) e até mesmo uma própria blockchain super centralizada no poder de decisão da empresa, a Binance Chain.
Além disso, a Binance adquiriu empresas e agregadores de dados, como o site CoinmarketCap e a carteira digital Trust Wallet, buscando estar presente nos principais pontos de acesso, negociação e informação do mercado.
Tudo isso atraiu milhares de clientes ao redor do mundo, e a Binance atende hoje mais de 167 milhões de usuários em sua plataforma. Entretanto, isso também deu muito poder à exchange, chamando a atenção de bancos e instituições fiat.
CZ e Forbes
CZ alcançou uma posição de destaque na lista dos bilionários da Forbes e chegou a ser capa da revista em 2018. Ele entrou no top 20 dos mais ricos do mundo, tendo uma fortuna avaliada em cerca de 65 bilhões de dólares.
Curiosamente, anos mais tarde, a Binance tornou-se uma das principais acionistas da Forbes, tendo investido $200 milhões na editora americana, com o intuito de usar a mídia como um canal para desmistificar a tecnologia blockchain e ativos digitais emergentes.
Ou seja, eles adquiriram uma das maiores mídias do mundo para promover tokens e criar narrativas enviesadas no mercado, assim como fizeram ao comprar o Coinmarketcap.
Surge a Binance US
Até 2019, a Binance não possuía permissão para operar nos Estados Unidos. Porém, isso mudou quando a empresa se comprometeu a cumprir rigorosos requisitos dos reguladores dos EUA, garantindo uma operação “segura e confiável” para os americanos.
Assim, a Binance US, uma versão da Binance global, foi criada especialmente para atender ao mercado dos Estados Unidos. A operação foi conduzida pela BAM Trading Services Inc., sediada em São Francisco, e iniciou-se em setembro de 2019.
Catherine Coley
A BAM Trading Services nomeou Catherine Coley como CEO, que anteriormente ocupava um cargo executivo na Ripple. Sua principal responsabilidade foi o lançamento e a expansão da Binance.US na América do Norte.
Antes de ingressar no mercado de moedas digitais, Coley foi analista de câmbio na Morgan Stanley, atuando em Hong Kong e Londres, e posteriormente como assessora de câmbio no Silicon Valley Bank entre 2016 e 2017.
Um belo currículo fiat!
Curiosamente, sua permanência na Binance foi breve.
Catherine Coley ficou menos de um ano no cargo e saiu sem deixar pistas sobre os motivos. Até hoje, isso permanece um mistério. O que poderia ter motivado Catherine a deixar um dos cargos mais desejados nos EUA na época?
Será que ela descobriu algo que poderia comprometer sua reputação e integridade pessoal? Nunca saberemos. No entanto, talvez o que aconteceu a seguir possa nos fornecer algumas pistas.
Governo americano na cola da Binance
Em 2020, o Departamento de Justiça dos EUA e a Comissão de Valores Mobiliários (SEC) iniciaram uma investigação sobre a Binance e sua filial americana, a Binance.US.
O objetivo era avaliar o nível de controle da Binance sobre a Binance.US, especialmente em relação ao acesso aos dados dos clientes dos EUA. A investigação incluiu a emissão de intimações e depoimentos de pessoas informadas, podendo resultar em ações dos reguladores americanos contra a Binance, caso fosse comprovado controle total sobre sua operação nos EUA.
A atenção dos reguladores em relação à Binance aumentou depois da quebra da exchange FTX, a segunda maior do mundo na época, em novembro de 2022.
Queda da FTX
A queda da FTX, fundada pelo agora presidiário Sam Bankman, começou com reportagens publicadas na mídia que informavam que o jovem ex-bilionário usou o dinheiro dos clientes para salvar um fundo de investimento também criado por ele (Alameda Research).
Com medo de perderem seus investimentos, houve uma corrida dos clientes da corretora para sacar seu dinheiro. E, por não ter dólares para arcar com todos os saques, a FTX quebrou e entrou com pedido de recuperação judicial.
A FTX faliu, e Bankman-Fried, que chegou a acumular uma fortuna de US$ 26 bilhões, perdeu tudo e foi considerado culpado das sete acusações que pesavam contra ele.
O julgamento durou um mês e, além do prejuízo, rendeu ao fundador uma pena de mais de 100 anos de prisão.
Esse episódio levantou suspeitas de que a Binance poderia estar conduzindo operações semelhantes e ter o mesmo destino.
Na época, houve uma corrida para sacar Bitcoin e altcoins das exchanges, com medo de que ocorresse um efeito em cadeia no mercado. Só na Binance, os clientes retiraram R$ 60 bilhões após a quebra da FTX.
Multa histórica
Em 2023, o Tesouro Americano intensificou o foco nas transações da Binance e fez acusações ainda mais graves contra a corretora.
Segundo a secretária do Tesouro Americano, Janet Yellen, “a Binance negligenciou suas obrigações legais na busca pelo lucro. Suas falhas intencionais permitiram que o dinheiro fluísse para terroristas, criminosos e abusadores de crianças através de sua plataforma”, detalhou Yellen ao The Wall Street Journal.
Assim, o acordo estabelecido entre a Binance, CZ, o Departamento de Justiça dos EUA, o Departamento de Tesouro dos EUA e a Comissão de Negociação de Futuros e Commodities (CFTC) resultou em uma multa de US$ 4 bilhões de dólares, segundo informações do jornal americano, para encerrar a investigação contra a empresa.
As acusações incluíam:
- Lavagem de dinheiro,
- Fraude bancária
- e violações de transações.
Essa multa foi a mais alta da história dos EUA.
CZ deixa o cargo de CEO da Binance
Em 21 de novembro de 2023, o CEO e fundador da Binance, Changpeng Zhao (CZ), deixou seu cargo na empresa, pagou fiança e a multa bilionária. Assim, quem assumiu o posto de CEO foi o executivo Richard Teng, que comandava as operações da Binance em mercados regionais.
CZ comentou em suas redes sociais que continua à disposição da equipe para consultas conforme necessário e segundo a estrutura estabelecida com as agências reguladoras dos EUA.
As fraudes e as acusações de financiamento ao terrorismo e crimes não comprovam nenhum uso do dinheiro dos clientes pela Binance, mas mancham sua imagem de “mocinha” entre as corretoras.
A Binance é confiável e segura?
Sim, a Binance é confiável e segura. Sendo uma das maiores corretoras de criptomoedas do Brasil e do mundo, é considerada uma das exchanges mais confiáveis. No entanto, nunca deixe seus bitcoins em exchanges!
Embora a Binance possa parecer confiável e seja uma corretora consolidada no mercado, neste setor, nada é tão grande que está imune a problemas.
Quem poderia imaginar que a FTX, que chegou a ter um valor aproximado de US$ 32 bilhões, sendo a segunda maior exchange até então, poderia falir em apenas dois dias?
É importante lembrar que as corretoras atuam como intermediárias e devem ser utilizadas como tal. Elas são empresas que facilitam as negociações de Bitcoin, mas jamais se deve deixar seu Bitcoin sob a custódia delas ou de qualquer terceiro, por mais confíáveis e seguras essas plataformas possam parecer.
Corretoras podem, intencionalmente, restringir saques, além de estarem sujeitas a ataques hackers. Além disso, podem falir devido a uma gestão inadequada ou serem administradas por fraudadores e golpistas, que podem realizar um “rug pull” e desaparecer com seus bitcoins.
O que queremos destacar é que essas plataformas são opções para a compra de Bitcoins, mas nunca se deve deixar seus bitcoins sob a custódia das exchanges.
Portanto, sempre compre e transfira seus bitcoins para sua “cold wallet“, mantendo-os sob sua custódia.
Vale a pena comprar ou vender Bitcoin na Binance?
Sim, não vemos problema em comprar bitcoin na Binance. No entanto, é fundamental que você transfira as moedas para uma carteira de custódia própria, como a Jade Wallet.
A taxa de saque de bitcoin da Binance para outra carteira externa é de 0.0005 BTC, equivalente a aproximadamente R$100 com base na cotação do bitcoin a 40 mil dólares.
Essa taxa é intermediária em comparação com outras plataformas concorrentes.
Também é interessante notar que a Binance permite o saque de bitcoin pela rede Lightning Network, proporcionando taxas irrisórias.
No entanto, para utilizar essa opção, é necessário possuir um conhecimento mais aprofundado sobre como realizar transações na camada 2 do Bitcoin.
Além disso, é importante mencionar que a rede Lightning não é ideal para armazenar valores que você pretende manter a longo prazo, sendo mais indicada para transações do dia a dia. Portanto, tenha cuidado ao selecionar a opção de saque de bitcoin na Binance.
Conclusão
A ascensão da Binance como uma plataforma que facilita a especulação por meio de “shitcoins”, comportamento de cassino e promoção de “pump n’ dump” de várias formas, juntamente com sua evasão das regulações dos países, impulsionou rapidamente o crescimento da empresa em escala global.
Aqui no Brasil, por exemplo, a Binance não relata as transações dos clientes à Receita Federal, embora todas as corretoras nacionais sejam obrigadas a seguir essa regra. Esse fato, por muito tempo, contribuiu para que a Binance fosse a favorita de muitos usuários.
Entretanto, as mesmas características que destacaram a corretora no mercado mundial também a tornaram alvo de seu modelo de negócio e chamaram a atenção dos órgãos reguladores, especialmente nos Estados Unidos.
Captura Regulatória e futuro
Não sabemos qual será o futuro da Binance, pos a captura regulatória sempre foi um cenário antecipado por Bitcoiners há bastante tempo. E esse cenário se intensifica agora, com bancos buscando se tornar exchanges e exchanges sendo pressionadas a se tornarem bancos.
A institucionalização das criptomoedas destaca a importância de plataformas de código aberto e da descentralização real, não apenas no marketing, para resistir aos ataques do sistema financeiro tradicional.
A Binance tentou agradar gregos e troianos, reguladores e usuários, buscou manter-se à margem do sistema fiat, mas não teve sucesso. Sua trajetória é prova de que os governos usarão suas armas, como regulamentações, violência e marketing do medo, para manter o status quo fiat.
Esse cenário irá se intensificar cada vez mais, especialmente com tecnologias como o Bitcoin, que representam uma ameaça às estruturas fiat, ganhando crescente adoção e validação social.
O que podemos afirmar é que a queda da Binance marca o fim de uma era. Indica o encerramento da fase em que os governos consideram o Bitcoin como algo irrelevante, dando início à fase da luta.
Empresas passarão por captura regulatória, protocolos descentralizados serão desafiados, e a auto custódia se tornará o movimento mais crucial para preservar a riqueza geracional para você e sua família.
Faça sua auto custódia!
Apesar de corretoras, como a Binance, parecerem confiáveis e oferecerem serviços convenientes, nada supera a tranquilidade de dormir sabendo que, independentemente das ações externas de empresas fora de seu controle, seus bitcoins estão seguros em sua posse.
Portanto, guarde bem suas chaves e faça a escolha pela auto custódia!
Até a próxima e opt out!
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Uma das principais educadoras de Bitcoin no Brasil e fundadora da Area Bitcoin, uma das maiores escolas de Bitcoin do mundo. Ela já participou de seminários para desenvolvedores de Bitcoin e Lightning da Chaincode (NY) e é palestrante recorrente em conferências sobre Bitcoin ao redor do mundo, bem como Adopting Bitcoin, Satsconf, Bitcoin Atlantis, Surfin Bitcoin e mais.
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