No cenário financeiro global, o Bitcoin emergiu como uma força disruptiva, desafiando paradigmas estabelecidos e oferecendo uma alternativa descentralizada às moedas tradicionais.
Nesse contexto, surge o BRC-20, um termo que faz eco ao padrão ERC-20 das criptomoedas baseadas em Ethereum, indicando uma nova fase no ecossistema do Bitcoin.
Este artigo explora as particularidades do BRC-20, avaliando se ele representa uma ameaça à estabilidade do Bitcoin ou, ao contrário, uma etapa crucial em sua adoção em larga escala.
A análise se aprofunda nos aspectos técnicos, nos potenciais impactos econômicos e nas tendências observadas, visando lançar luz sobre o presente e o futuro do Bitcoin diante da ascensão do BRC-20.
Tópicos abordados:
O que é BRC-20?
O BRC-20 é um padrão experimental de token fungível que utiliza inscrições ordinais no Bitcoin.
Esse padrão foi inspirado no ERC-20 da rede Ethereum, no entanto, apresenta uma diferença técnica significativa: a ausência de smart contracts no processo de criação do token.
O que é o ERC 20?
O ERC-20 é um padrão para a criação de tokens na blockchain Ethereum. Ele define regras e interfaces comuns para tokens fungíveis, facilitando a interoperabilidade entre diferentes projetos e carteiras.
O que são tokens BRC-20?
Os tokens BRC-20 são ativos digitais fungíveis criados na blockchain do Bitcoin. Sua singularidade reside no fato de serem inscritos diretamente nos satoshis do Bitcoin por meio de código JSON, o que os diferencia dos tokens tradicionais em plataformas como o Ethereum.
O que significa um token?
Um token é uma unidade digital que representa um ativo ou valor na rede. Esses tokens são geralmente emitidos e registrados em uma blockchain.
Como os tokens BRC-20 surgiram?
Os tokens BRC-20 surgiram em decorrência da criação de um protocolo chamado Ordinals.
Durante muito tempo, imaginou-se que seria possível criar tokens na camada um da rede Bitcoin, anos após o surgimento dos Coloured Coins, que foram as primeiras imagens criadas em 2013 e registradas na blockchain BTC. De lá para cá, outros protocolos acabaram absorvendo a função de camada base para tokens e NFTs.
No entanto, a falta de descentralização em outros projetos, o risco de hacks, rug pulls e a ausência da escalabilidade tão prometida nos whitepapers acabaram empurrando a experimentação de volta para o BTC e levantando dúvidas sobre quão saudável isso seria para a rede.
Em fevereiro de 2022, surgiu o Ordinals, uma espécie de NFT vinculada aos satoshis, que se tornou uma febre em janeiro de 2023.
O Ordinals é um protocolo que estabelece regras de ordenação e relevância dos satoshis, permitindo que texto, imagens, vídeos e qualquer formato de dados sejam anexados aos satoshis por meio de um tipo de registro chamado Inscription, que são informações adicionais ou metadados atrelados aos satoshis (sats), que são as menores unidades de Bitcoin.
Como funcionam os tokens BRC-20?
Em resumo, os tokens BRC-20 aproveitam o código JSON anexado aos satoshis para incorporar funcionalidades adicionais, permitindo sua utilização na rede Bitcoin de maneira semelhante às criptomoedas.
Ao contrário das transações tradicionais, que envolvem apenas o envio de valor de uma carteira para outra, transações com inscriptions permitem incluir mais detalhes. Portanto, é através desse tipo de transação que Ordinals e os tokens BRC-20 são registrados em blockchain.
Viabilidade das inscriptions
A viabilidade das inscriptions só se tornou possível após a atualização Segwit em 2017, um soft fork que expandiu o tamanho do bloco de 1 MB para 4 MB de armazenamento, sem a necessidade de um hard fork.
Além disso, a atualização Taproot de 2020 também desempenhou um papel crucial ao permitir a inserção de mais informações on-chain, por um custo mais baixo, sem a necessidade de hard forks.
O surgimento dos Ordinals, ao chamar a atenção para a possibilidade de criar NFTs na camada um do Bitcoin, desencadeou a criação de mais aplicações utilizando o campo inscription nas transações Taproot.
Em 8 de março de 2023 @domodata publicou no Twitter uma maneira de criar um padrão de token fungível chamado BRC-20.
An experiment into “brc-20’s” and fungibility on bitcoin with ordinals 1/x pic.twitter.com/9khKLbEPk6— domo (@domodata) March 9, 2023
Segundo ele, qualquer pessoa conseguiria criar tokens no Bitcoin usando Ordinals e linhas de comando JSON. Além disso, ele também observou que o conceito de emitir ativos na blockchain bitcoin não é novo, mencionando o Taro (renomeado para Taproot Assets) na rede Lightning como uma solução potencialmente superior, e que o BRC-20 é apenas um padrão experimental e divertido.
Entretanto, apesar do criador da nova aplicação destacar que os BRC-20 são apenas um experimento e os tokens não têm a intenção de ter valor, os especuladores podem enxergá-los de maneira diferente.
O site criado por Domo no GitHub explica como acontece o processo de criação, mintagem, a função que conecta inscriptions ao endereço e como acontecem as transferências.
A criação dos tokens BRC-20 despertou o interesse de especuladores que prontamente começaram a gerar memecoins utilizando o novo padrão.
Token “Ordi”
O primeiro contrato de token a surgir foi o “ordi”, com um limite de 1.000 tokens por mint e um total de 21.000.000 de tokens, conforme expresso no seguinte código:
{
“p”: “brc-20”,
“op”: “deploy”,
“tick”: “ordi”,
“max”: “21000000”,
“lim”: “1000”
}
Assim como nos Ordinals, os BRC-20 estão correlacionados a um número único de inscription, determinado pela ordem de sua criação. Consequentemente, o primeiro token BRC-20 é designado como 1, o segundo como 2, e assim por diante. Esse tipo de “ranqueamento” dos satoshis criados pelos Ordinals também é aplicado aos tokens BRC-20.
Desenvolvimento rápido
Carteiras começaram a surgir, e a Unisat foi a mais ágil em desenvolver ferramentas no padrão BRC-20 e, em menos de 18 horas, todos os 21.000.000 de tokens “ordi” foram cunhados (emitidos).
A ferramenta da Unisat para Minting de BRC-20 impulsionou a criação de outros tokens seguindo o mesmo padrão, resultando em mais de 30.000 inscriptions BRC-20 geradas em um único dia.
Essa explosão de atividade explica a mudança no padrão de emissão dos Ordinals. Inicialmente, a maioria dos registros era no formato de imagem, mas após o surgimento dos tokens BRC-20, o formato de texto passou a ser predominante.
De acordo com @LeonidasNFT, um criador de conteúdo sobre Ordinals no Twitter, há a expectativa de que a capitalização de mercado dos BRC-20 ultrapasse a dos tokens ERC-20 na Ethereum.
Na última atualização, a capitalização de mercado dos BRC-20 atingiu US$ 848,2 milhões, enquanto a dos ERC-20 estava em US$ 159,3 bilhões.
O otimismo é impulsionado pela percepção de que o Bitcoin tem o dobro do tamanho em capitalização de mercado em comparação com o Ethereum, e os BRC-20 podem absorver parte da demanda que normalmente iria para os ERC-20 na rede Ethereum.
Aqueles que apoiam Ordinals e BRC-20 afirmam que a prática da Web3, comumente associada a outros protocolos, está chegando ao Bitcoin e que continuará a se desenvolver na rede.
No entanto, a indagação persiste: será que isso realmente está acontecendo?
Essa possibilidade parece estar sendo considerada e testada, visto que desenvolvedores recentemente estão estudando a implementação de contratos da Uniswap nos BRC-20 na rede Bitcoin.
Supply e Distribuição dos tokens BRC-20
Apesar de estarem vinculados a inscriptions na rede Bitcoin, os BRC-20 não são Bitcoin; não fazem parte do consenso da rede, não estão inseridos no código do Bitcoin e não possuem uma distribuição justa, pois qualquer pessoa pode criar uma quantidade e ficar com 100% dos tokens criados.
Por isso, mesmo sendo apoiados no protocolo Bitcoin, não significa que carreguem o mesmo grau de segurança, descentralização e equidade de criação da rede BTC. Por ser um protocolo recente e ainda pouco verificado, é possível que bugs ocorram em relação aos tokens em si e não em relação ao Bitcoin.
O supply e a distribuição desses tokens são centralizados nas decisões de cada emissor.
No final das contas, são registros e tokens criados por alguém que determinou regras adjacentes, como o próprio ranqueamento de sats.
A rede Bitcoin não ranqueia satoshis de acordo com sua “raridade ou relevância”; esse é um termo subjetivo adicionado posteriormente por Ordinals. O consenso do Bitcoin funciona de forma independente de Ordinals ou BRC-20, embora essas aplicações tenham impacto na dinâmica da rede Bitcoin.
Entretanto, como é um processo muito recente, ainda é necessário acompanhar os desdobramentos dessas novas aplicações.
Os BRC-20 também chamaram a atenção de scammers e golpistas que se aproveitaram da ingenuidade de alguns usuários que compraram ou mintaram tokens BRC-20 e sofreram um golpe chamado “gasto duplo”.
Nesse caso, os usuários mintaram seus BRC-20, divulgaram nas redes sociais a transação antes de ela ter sido confirmada na rede; alguém pegou os dados da transação e fez algo chamado Replace By Fee (RBF), ofertando uma taxa maior, alterando os dados da transação. Com isso, o atacante roubou os tokens BRC-20 inicialmente mintados por outros usuários.
Muitos usuários alertaram os novatos para, antes de comprar qualquer token BRC-20 ou Ordinal, verificar se a inscrição existe em ordiscan.com.
É importante lembrar que essa verificação não é específica para Ordinals ou BRC-20, mas sim para qualquer transação na rede Bitcoin. Por isso, é importante não divulgar nas redes ou em grupos transações ainda não confirmadas, sejam transações monetárias ou transações contendo inscriptions de Ordinals ou BRC-20.
Distribuição do Nodes
Como os BRC-20 são registrados na blockchain do Bitcoin, esses tokens acabam possuindo o mesmo grau de descentralização que o próprio Bitcoin. Em outras palavras, são suportados por pelo menos 17 mil nodes alcançáveis.
Além disso, há mais de 48 mil nodes operando de forma oculta por meio de instrumentos de privacidade, como TOR.
Nesse sentido, os registros feitos por meio de inscriptions apresentam um nível de descentralização muito superior ao de qualquer outra rede que não seja o Bitcoin. Isso se deve ao fato de que outros protocolos em blockchains frequentemente dependem de datacenters e estruturas centralizadas, como os servidores das Big Techs.
Afinal, BRC-20 é um ataque DdoS ou é só adoção do Bitcoin?
Há uma dupla narrativa permeando os debates entre Bitcoiners. Muitos consideram os tokens BRC-20 um ataque à rede Bitcoin, enquanto outros veem isso como a simples adoção orgânica acontecendo.
Bora analisar cada um desses pontos?
BRC-20 como reflexo da adoção
Obviamente, especuladores e aqueles que estão criando aplicações em Ordinals e BRC-20 veem isso de maneira favorável, não como um ataque, pois se beneficiam dessas novas soluções.
Como Satoshi mencionou, a rede é composta por indivíduos agindo para atender a seus próprios interesses, que, por consequência e alinhamento de incentivos, acabam fortalecendo a própria rede Bitcoin.
Assim, toda a liquidez que poderia ir para outros protocolos acaba sendo direcionada para o Bitcoin, tanto em termos de taxas para os mineradores quanto no surgimento de novas aplicações.
Desde que Ordinals surgiu, a adoção de endereços SegWit também aumentou de 90% para 95% em um mês.
Transações utilizando a mais recente atualização Taproot cresceram exponencialmente:
As taxas recebidas por bloco minerado também atingiram recordes. Isso se deve ao aumento da demanda e à urgência dos usuários para serem inseridas em um bloco. As taxas chegaram a atingir 12 BTC, quase o dobro da recompensa por bloco oferecida pela rede Bitcoin atualmente.
Entretanto, o curioso é que momentos de picos de demanda e urgência na rede são comuns durante o bull market. Portanto, quando a FOMO aumenta, o número de transações cresce e a demanda eleva a taxa das transações.
Contudo, agora estamos em bear market, no momento em que não há FOMO e a demanda da rede tende a ser menor que durante as máximas históricas de preço. É a primeira vez que há essa elevação das taxas em meio ao bear market.
Aqueles que veem esse movimento como algo positivo para o Bitcoin partem do princípio de que essas transações contendo Ordinals e BRC-20 não estão quebrando o consenso da rede, não estão impedindo que os full nodes operem e estão seguindo as regras da rede.
Segundo Eric Wall, essas novas aplicações são compradoras óbvias de espaço em bloco barato e oferecem uma mintagem justa, pois a emissão é feita através de um número de blocos, e quem paga as taxas consegue comprovar a emissão – algo como um Proof-of-Fees.
Leai também: O que é o protocolo Runes no Bitcoin?
Hashrate
Um dos maiores argumentos dos céticos do Bitcoin e pró outros protocolos é que, com a redução da recompensa e o aumento do hashrate, os mineradores terão poucos incentivos para permanecer na rede. Afinal, a recompensa por minerar cada bloco será reduzida, e os gastos com energia e equipamentos devem aumentar. Com isso, ao longo dos anos, os mineradores poderiam desligar suas máquinas e desistir de manter seu poder computacional na rede, o que faria o hashrate cair, reduzindo o nível de segurança gradualmente e expondo todo o sistema de segurança e a resistência a ataques de 51%.
Por outro lado, a explicação para que os mineradores continuem tendo incentivos financeiros para permanecer é que as taxas por inserir transações no bloco cresçam conforme a adoção e demanda por espaço no bloco também crescerem. Isso nos leva a um momento em que as taxas passarão a ser a maior parte da receita dos mineradores e não mais a recompensa por bloco, um momento conhecido como crossover point.
Crossover Point
Esse gráfico de Crossover Point é conhecido por estar no artigo do Dan Held chamado “A segurança do Bitcoin está bem“, no qual ele descreve a tese sobre como o modelo de segurança, no qual as taxas de transação do Bitcoin aumentarão ao longo do tempo, compensando a redução da recompensa aos mineradores.
O gráfico original foi criado por uma conta do Twitter, agora removida, chamada Awe_andWonder, onde o “Crossover Point” foi postado pela primeira vez.
Quem se apoia na tese do crossover point e não se importa com tokens especulativos lotando blocos com memes não vê Ordinals e nem BRC-20 como um ataque. Afinal, o limite de 4MB de tamanho por bloco não permite que os blocos sejam expandidos para além desse tamanho.
Inclusive, com o lançamento de Ordinals, o primeiro bloco da história do Bitcoin que chegou perto dos 4MB foi criado no dia 1º de fevereiro de 2023. O bloco número 774.628 atingiu 3,96 MB.
Contudo, existe uma outra vertente que vê Ordinals e os BRC-20 como um ataque à rede Bitcoin, e muitos desejam alterar o código Bitcoin para que não seja possível inscrever informações consideradas monetariamente inúteis, como memes e shitcoins.
Blocksize War 2.0
É por isso que o surgimento das Inscriptions pode marcar o início de uma blocksize war 2.0, algo semelhante ao que aconteceu em 2015-2017, quando o tamanho de bloco do Bitcoin entrou em debate e culminou no fork de Bitcoin Cash.
Com o tempo, ficou provado que mudanças fundamentais no funcionamento do Bitcoin são críticas para segurança e descentralização, e que hard forks são traumáticos.
De lá para cá, a maioria dos projetos que fizeram hard forks do Bitcoin se tornaram irrelevantes e se desvalorizaram em relação ao Bitcoin, que permaneceu sem fazer hard forks, apenas soft forks para aplicar atualizações.
BRC-20 como reflexo de um ataque à rede
A vertente que enxerga os BRC-20 como um ataque argumenta que o aumento do tamanho do bloco provocado por inscriptions de Ordinals e tokens pode fazer com que o custo de armazenamento da rede Bitcoin em um full node se torne muito alto.
Guerra de Blocos de 2017
Esse assunto remete também à guerra de blocos de 2017, em que aumentar o tamanho do bloco representaria sobrecarregar a capacidade de armazenamento de nós menores e empurraria a rede para armazenamento em datacenters, em servidores de terceiros.
Naquela época, o argumento era a favor da escalabilidade e velocidade de transações. Assim, muitos protocolos resolveram amplificar seu tamanho de bloco, e é por isso que muitos dos protocolos existentes hoje têm seu armazenamento dependente de servidores de terceiros, sendo este um ponto de fragilidade. Afinal, qualquer ataque aos custodiantes desses dados representa também um ataque à rede como um todo.
Não ter expandido o bloco significou manter a descentralização da rede Bitcoin e proporcionar que qualquer pessoa com um microcomputador e 1T de HD pudesse rodar um node da rede BTC.
Segundo muitos Bitcoiners, essa capacidade acaba sendo ameaçada com as Inscriptions de tokens BRC-20.
Afinal, se os blocos passaram a ficar totalmente ocupados com quase 4MB de peso de armazenamento, isso acaba acelerando a necessidade por capacidade de armazenamento cada vez maior.
Capacidade Armazenamento
A imagem abaixo mostra a média de tamanho de bloco diário da rede Bitcoin e, em 2023, com a popularidade de Ordinals, o tamanho do bloco deu um salto significativo em sua média diária.
Dessa forma, também seria verdadeira a afirmação de que essas novas aplicações estão aumentando a demanda por armazenamento da rede. Isso pode levantar questionamentos sobre se esse aumento da capacidade de hardware poderia levar ao mesmo destino que outros protocolos: depender de datacenters centralizados e reduzir a descentralização da rede Bitcoin.
É por isso que o debate está fervendo, pois a necessidade de maior armazenamento está sendo impulsionada não tanto por transações monetárias, mas por movimentos especulativos.
Contudo, o limite de 4MB também funciona como um mecanismo para controlar o crescimento da necessidade de armazenamento de hardware e não deve ser um problema no curto prazo. Este limite pode ser utilizado sem problemas e sem afetar que as pessoas executem um nó da forma como é hoje.
Pierre Rochard fez um cálculo interessante nesse tweet aqui:
Ele menciona que 4MB a cada dez minutos equivalem a 210 GB por ano, aproximadamente $10 em custo de espaço de disco por ano e 30 minutos de IBD por ano de gigabytes de internet. Assim, ele finaliza com “Eu acho que vamos ficar bem”.
Ou seja, mesmo que todos os blocos atinjam sua capacidade máxima de armazenamento, isso não impacta em grandes dificuldades de armazenamento por ano, visto que a tecnologia em armazenamento de dados também tem avançado em grande velocidade, reduzindo custos para usuários finais. Como diria Jeff Booth, “a tecnologia é deflacionária”.
As perguntas que ficam são:
- Faz sentido mudar regras tão consolidadas do Bitcoin para coibir o uso considerado fútil?
- Será que o intervencionismo na rede para coibir casos de uso não seria o verdadeiro ataque à rede?
Afinal, isso seria promover modificações apenas por questões subjetivas, por não concordar com um uso específico que está, no fim das contas, seguindo as regras de consenso preestabelecidas.
Howey Test
Os BRC-20 ficam em um limbo e, ao contrário de altcoins em outros protocolos, não há pré-mineração e nem ICO. Todos os tokens são criados a partir de prova de trabalho (PoW) durante a mineração do bloco em que as transações que mintarão os BRC-20 serão criadas.
Esse conceito de não haver pré-mineração, criação de tokens antes da rede rodar, nem um ICO e nem pré-venda coloca os tokens BRC-20 em um arcabouço jurídico mais difícil de categorizar como securities, tokens de empresas não reguladas.
Segundo usuários dos BRC-20, esse tipo de tokens tem uma emissão mais justa, pois não recorre a medidas desonestas de lançamento aplicadas em outros protocolos.
Contudo, isso não quer dizer que esses tokens tenham fundamentos fortes e que não sejam centralizados. Por mais que o Bitcoin seja descentralizado, nem tudo que se conecta a ele também é.
Para atender à dinâmica das nossas investigações, vamos analisar a ideia dos tokens BRC-20 sob a ótica do teste de Howey.
1. A oferta envolve um investimento monetário?
Não necessariamente. Não há compra direta de tokens de membros da equipe que emitiram tokens previamente na rede.
Portanto, para criar os tokens BRC-20, apenas é necessário pagar as taxas normais da rede Bitcoin, como em qualquer outra transação.
Mas em um mercado secundário, é provável que usuários negociem esses tokens por valores monetários diretamente.
2. Existe uma expectativa de lucros com o investimento?
Sim, mas nem sempre. O principal objetivo da criação desses tokens BRC-20 é a especulação e lucrar vendendo os tokens emitidos. Contudo, muitos são apenas memecoins que lutam para viralizar e virar exit liquidity de seus criadores.
Entretanto, já existem aplicações não especulativas, como o registro de imóveis e informações importantes no formato BRC-20. Agora, se esse uso irá se concretizar, não é possível afirmar.
Inclusive, já está sendo desenvolvido um mecanismo de gerar staking com os tokens BRC-20. Isso ativa as bandeiras vermelhas no sentido de serem empresas prometendo lucros com seus tokens e dá sinal afirmativo para o teste de Howey.
3. O investimento é uma empresa comum?
Pode ser. Empresas podem passar a emitir tokens BRC-20 na rede Bitcoin, o que determina isso é a dinâmica hierárquica da organização. Se houver um grupo gerenciando os tokens e distribuindo seguindo regras internas, é uma empresa que tem tokens na rede Bitcoin.
4. O lucro vem dos esforços de outras pessoas?
Se os criadores desses tokens realizarem ações de marketing, se configura como uma empresa divulgando seu produto. Muitos “protocolos” inserem posts pagos em redes sociais, patrocinam eventos e celebridades, mas a realidade é que protocolos não fazem isso. Empresas fazem.
Por isso, se um protocolo ou tokens possuem um CEO, possui uma equipe de marketing e toma decisões de cima para baixo de forma hierárquica, é sinal que é uma empresa centralizada e nada descentralizada.
Conclusão
Talvez, olhando em retrospectiva, o ataque especulativo previsto por Pierre Rochard, em que países iriam comprar Bitcoin para se salvar das suas moedas falidas, comece através de mecanismos menos românticos. Talvez o ataque especulativo comece literalmente como um ataque especulativo!
Intenções de uso menos dignas e nobres, como criar scams e memecoins, podem reforçar os estímulos e a segurança da rede, absorver liquidez de volta e atender à demanda de diversas aplicações, evidenciando a tese do ponto de convergência e consolidando a rede Bitcoin como a principal camada base para uma nova economia descentralizada.
Sinceramente, mais cedo ou mais tarde, a especulação retornaria ao Bitcoin. A tendência é que o interesse especulativo seja ainda mais atrativo em L2 mais ágeis e econômicas, como o Taproot Assets da Lightning Labs, que opera na rede lightning, ou na sidechain Liquid da Blockstream.
O ponto crucial é que esse “ataque”, se assim considerado, é transitório. Afinal, as transações são legítimas, e os incentivos da rede Bitcoin entraram em ação, fazendo com que as taxas retornassem aos níveis anteriores ao hype dos BRC-20.
Ordinals e BRC-20 podem ser uma previsão de como será quando a demanda real por pagamentos, aberturas e fechamentos de canais lightning, e liquidações finais se tornarem a principal utilização da mempool.
Talvez o “ataque de spam” seja, na verdade, um teste de estresse que está preparando toda a indústria para a hiperbitcoinização e demonstra os desafios quando a alta demanda precisa ser atendida.
Enfim, no fim das contas tudo é bom para o Bitcoin.
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Uma das principais educadoras de Bitcoin no Brasil e fundadora da Area Bitcoin, uma das maiores escolas de Bitcoin do mundo. Ela já participou de seminários para desenvolvedores de Bitcoin e Lightning da Chaincode (NY) e é palestrante recorrente em conferências sobre Bitcoin ao redor do mundo, bem como Adopting Bitcoin, Satsconf, Bitcoin Atlantis, Surfin Bitcoin e mais.
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